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Ele foi até a base das escadas onde esperou sua pequena dama que descia com insegurança, ao chegar na base, segurou a mão do pai. A filha está usando uma máscara com detalhes que lembram uma coroa, a renda combina com a cor de seu vestido, cabelos cuja cor se assemelha a cornalina e está preso em forma de coque com uma coroa feita do próprio cabelo enfeitada com pequenas pedras brilhosas.

Sua vestimenta a deixa bonita e elegante, ela é a que se destaca em uma multidão. A transição de criança para adulta está visível pelas curvas que o vestido destaca. Para os humanos, essa é uma das poucas vezes que uma mulher pode usar esse tipo de roupa sem ser repreendida por seus pais.

- Hoje, minha criança se torna uma adulta, hoje ela deixa para trás todas as coisas de crianças para aprender os assuntos de adultos, hoje, minha querida e maravilhosa filha Lana. - A guiou para o meio do salão. - Se torna meu legado.

Filha e pai deram início à primeira dança, logo mais outros entraram na dança. Não encontro Micka de primeira vista,  o encontro quando está conversando com uma garota, ela está tentando se aproximar dele e ele está recuando, isso é fofo e eu sorriria se não estivesse do jeito que estou agora. Quando iria tomar o vinho, Clara me puxa para uma roda de senhoritas.

Observo Clara por um momento, ela é esperta, bela e gentil, totalmente ao contrário de mim, então porque ela está me ajudando tanto? O caminho que está trilhando ao meu lado só trará dor e desgraça a ela, essa mulher nunca deveria ter me conhecido.

- Senhoritas, apresento a vocês minha irmã mais velha.

Irmã. Seus olhos vibram em felicidade, talvez, fosse o sonho de Clara ter uma garota para chamar de irmã, ou ter alguém importante para chamar com esse título?

- Muito prazer. - Algumas me cumprimentavam, outras me deram um aceno de cabeça.

- Esta é Alina Lastred. - Clara me apresentou a esposa do duque, a mãe da debutante.

- Como se sente, minha senhora? Imagino que esteja sendo um sonho.

Tentei retomar a educação que há muito me foi ensinada e há muito venho tentando esquecer.

- Sim, tem razão. Está sendo perfeito. - Ela suspirou. - Lana estava muito ansiosa para este dia, quase não dormiu ontem a noite. - Confessou.

- Se me permite dizer senhora, meus pais mandavam o mordomo fazer um chá de camomila com folhas de alface. Não tive dificuldade em dormir quando experimentei o chá. - Outra dama comentou.

- Sério? Poderia pedir ao seu mordomo para passar a receita? Creio que vou usá-lo bastante. Afinal, a festa irá durar duas noites.

As damas riram. Meu corpo se eletrizou, um aviso, não é meu lugar.

- Senhoras por favor me deem licença.

Sai o mais rápido que pude e volto para meu canto, tento relaxar as costas na enorme coluna da casa. Mas eu simplesmente não consigo, cada segundo que passo aqui é um segundo a mais que meu peito dói, é um segundo a mais que tenho que esconder a vontade que tenho de chorar e de gritar e de acabar com tudo isso. Porque ela deveria ter essa festa? Porque essa humana deveria ter todo esse privilegio? Porque ela deveria... se eu não tive?

O que aconteceu comigo não foi justo. Não é justo todos terem o que foi tirado de mim. Todos estão comemorando por algo que deveria ser normal, por algo que eu deveria ter passado.

Eu me repreendo da maneira mais rude que posso. Eu não sou assim. Eu não sou invejosa. Eu não sou esse tipo de pessoa. 

Eu não sou? Eu realmente não sou? Porque tudo o que tenho sentido quando vejo Nyra com Hércules, quando olho para essa festa, quando eu percebo que ninguém dá valor naquilo que tem, é inveja. Desde que me dei conta daquilo que perdi, daquilo que tinha e não tenho mais, tudo o que eu sinto, é inveja.

Observo a festa, a dança, os garçons servindo e recolhendo, as crianças conversando ou rindo e sendo repreendidas pelos pais, as damas mais jovens desejando dançar com o cavalheiro mais jovem e mais bonito, e, jovens cavalheiros procurando a bela dama que lhes trarão títulos e terras. Abutres. Nada me chamava atenção.

Meu estômago começa a ser contraído violentamente pelo corset, o ar falta em mim e o equilíbrio é comprometido forçando-me a encostar na pilastra, o chão começa a desabar embaixo dos meus pés, meu nariz começa a salpicar e os olhos perdem o foco, meus lábios ficam secos e a força do meu corpo desaparece. A vontade de chorar fica presa na garganta. 

O tremor está fazendo o líquido se mover, se eu soltar o copo o barulho vai ecoar no salão, o líquido vai se espalhar pelo chão, as pessoas vão voltar sua atenção em mim, e eu não quero chamar a atenção de ninguém. Eu não posso deixar com que essa taça caia, eu não posso soltar! Por favor, não me deixe soltar a taça! Por favor corpo, é tudo isso que eu te peço agora, não solte esse copo! 

Mas é como pedir para uma criança não ser uma criança.

Espero pelo barulho da taça, espero pela atenção violenta que vem com o barulho, espero por qualquer coisa. Mas nada acontece. Uma sombra me cobre, o cheiro de suor, cacau e terra molhada me invade e simplesmente acalma a angústia crescente no meu peito. Uma tontura me percorre e perco todo o equilíbrio, se não fosse por ele eu teria caído também.

- Peguei você.

Ele diz baixo, nossos olhares se encontram e noto uma cor incomum para os seus olhos, cinzas. Mesmo com a música, mesmo com os barulhos, eu o reconheci. Ele voltou. Ele ronrona preocupado perto da minha orelha.

- Você está bem?

Eu tento respondê-lo, tento exclamar ou indagar alguma coisa, mas nada saiu, simplesmente... nada.

- Eu achei que feéricos eram educados ao ponto de falarem com os humanos, mas você é uma exceção a regra, não é?

Minha respiração ficou curta, meu peito está se movendo rápido demais, eu estou tremendo muito.

- Certo, agora não é hora de conversa fiada, eu entendi. - Ele disse, me arrastou para trás da pilastra e deixa seu corpo ser usado como encosto para o meu. - Pode descansar. Eu vou cuidar de você.

Eu apenas desabo. Minha visão ficou turva e o ar deixou de entrar em meu corpo e por mais que eu tente puxá-lo pela boca, não consigo.

- Ei. - Ele me cercou com os braços e entrelaçou os dedos com os meus. - Preste atenção na minha voz.

Tento fazer o que ele pede, mas eu não posso. Eu simplesmente não consigo.

- Difícil, eu sei. Mas preste atenção nas minhas palavras. - Ele se aproxima do meu ouvido. - Você está perfeita.

Eu quase sorri.

- Feche os olhos. - Ele me pede e não faço. - Só fecha logo a porra dos olhos e deixa de ser teimosa um segundo e me escute.

Ele é rude até mesmo quando está tentando consolar alguém. Relutante, eu faço. Sinto seu coração batendo descontroladamente contra minhas costas, tento respirar de acordo com minhas lembranças, de como ser calma e ser elegante mesmo nervosa. Com o tempo, consigo melhorar. 

Quando ele nota minha melhora, ele sai de trás de mim.

Vai até a pista de dança, está usando um terno preto com alguns detalhe em branco, sua pele branca reflete as luzes, seu corpo é grande, pernas longas e braços longos, as mãos possuem veias aparentes, lábios finos e convidativos, sua máscara negra destaca os detalhes dourados que fazem desenhos pequenos e médios ao redor da máscara e dos olhos.

Ele me encara.

Tudo desaparece.

Existe apenas nós.

O conto da Princesa Perdida (REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora