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Ele continuou reclamando e ameaçando quem me fez sofrer, mas ele... estava me curando enquanto fazia. Eu não consigo respirar, a coleira no meu pescoço estava me sufocando.

- Tira... - Pedi quase sem voz. - Tira...!

Ele abriu a coleira e consegui respirar. Ele passou a mão pela ferida e curou. Meus machucados podem ter sido curados pelo exterior, mas ainda consigo sentir os cortes na minha pele, a prisão no pescoço. Eu tentei me levantar, mas estou fraca demais, assustada demais.

- Você não consegue nem apertar minha mão, acha que consegue ficar de pé? - Ele perguntou com uma ironia irritada.

- Eu não preciso de ajuda. - Falei e ele ficou ainda mais irritado.

- Tá. Cala a boca e aceita.

- O que-!

Ele me pegou pelas pernas e a pressão do meu corpo em seu braço fez as feridas doerem. Ele pareceu não se importar com os gritos atrás de nós, pela fumaça e o calor do fogo. Apesar de sua postura irritada, ele não me trata com rudez, seu toque é gentil, apesar de ser firme. Eu vi Gamas de joelhos e ele parecia que iria ser executado, ele não tem culpa de nada.

- Espera...

Ele parou e me apertou.

- O caralho de coração bom! - Ele reclamou e foi em direção ao Gamas.

Olhei para trás e vi o que já vi em meus sonhos. O fogo destruindo tudo, os corpos multilados e destruídos, e no meio dessa tormenta fogosa, eu vi alguém. Ele segurava a cabeça decepada de alguém em uma mão e na outra uma espada longa cujo sangue não parava de cair. Aquele homem é um assassino.

Não.

Não um assassino.

Essa definição não faz jus ao que vejo, apenas uma e somente uma palavra pode defini-lo.

Demônio.

Gamas está ajoelhado esperando sua sentença. Meu coração ficou inquieto, Gamas não queria fazer o que fez, não queria me machucar, mas ele fez. Sei que ele não queria fazer e que se pudesse teria me tirado dessa situação. Olhei para Gamas e o vi treinando à tarde, treinando os novos soldados e procurando-me pelo castelo. Me lembrei do seu juramento.

- A partir deste dia minha vida não pertence somente a Hallari, mas também ao rei, a rainha, o príncipe...

- E a princesa. - Gamas completou e olhou para mim.

Gamas aceitou sua morte, meu coração não. Matá-lo não resulta em nada. Ele é um homem que não se pode recusar um trabalho, é um homem fiel a coroa e não a seu portador. Gamas é um peão e eu estou atrás do rei. O encarei do mesmo jeito que fiz quando ele fez seu juramento. Nesse momento eu não sou uma sobrevivente, eu não sou uma fugitiva, eu sou alguém que já está morto.

- Viva. Viva e vá para casa e diga a coroa que eu vou retomar o que é meu. - Eu disse. - Leve a seguinte mensagem para aqueles que quiserem ouvir: As costas do rei e da rainha são vistas, ao amanhecer, o vermelho surgirá e dele ninguém escapará.

Gamas desapareceu e minhas forças das pernas desapareceram e antes que pudesse tocar o chão, ele me pegou, com a luz eu pude ver que ele estava de máscara. Quando dei por mim estávamos pulando de árvore em árvore para algum lugar. Ele é rápido e forte, carregar um feérico ferido e correr assim exige força.

Assim que descemos ficamos na penumbra, ele não me deixou descer de seu colo. Apesar de estar com dor, eu consigo suportar, e fiquei curiosa com sua identidade. Eu tirei a sua máscara. Seu lábios finos foram perfeitamente esculpidos para ficarem em seu rosto, um maxilar marcado e um nariz bonito. Ele é bonito. Bem bonito. Chegando quase a beleza de um alto feérico.

Mas ele não é. Ele é só um humano bonito... lindo.

Seus olhos são uma incógnita. Não sei dizer sua verdadeira cor. Seu polegar roçou em meu rosto, sua respiração está pesada e a minha se tornou pesada pela sua. Ele sussurrou e me deixou em... êxtase, arrepiando-me completamente.

- Princesa.

Diferente de muitos que já me chamaram pelo meu título, nenhuma delas se compara a palavra proferida de seus lábios. É como se eu estivesse em casa, em uma festa com inúmeros príncipes e princesas, todos revestidos pela luz do grande dragão, filho mais velho da Mãe. E ele. Completamente fora do padrão, vestimentas escuras e uma máscara vermelha.

Mas eu me senti vista por ele, como se eu fosse a única em sua visão, como se apenas eu e somente eu importo. Seus olhos, seu corpo, sua voz, tudo dele está voltado para mim. Porque eu sou a única que importa.

Inconscientemente reagiu a isso. Eu me aproximei dele, meu corpo, meu íntimo, meu coração, tudo, absolutamente tudo reagiu a ele.

Porque quando me chamou, eu soube, soube do fundo do meu peito. Ele é meu.

Não, ele não é. É somente um salvador desconhecido. Eu não posso me apegar a esse sentimento. Eu só estou grata por ele ter me tirado de lá, ele me tirou do sofrimento e não é nada mais que isso.

Ou essa foi a desculpa que tentei fortemente acreditar.

Seu aperto é forte, ele é rude e isso é claro, mas ele parece, de certa forma... gentil. Assim que os primeiros raios brilhantes surgiram, eu descobri a verdadeira cor de seus olhos, amarelo âmbar. Eles me lembram os olhos de um felino. Seu rosto é simples e bonito, sem detalhes marcantes, mas o que me chamou a atenção foram os fios rebeldes.

Tirei seu capuz.

Neve.

Brancos como a neve.

Esse humano jamais poderá ser esquecido ou confundido.

Eu recuei, percebendo o que eu fiz. Suspirei. Hércules vai me matar quando descobrir que eu o provoquei dessa maneira. Eu sei que já não temos tempo, mas o que eu fiz, vai nos prejudicar. Ah, eu deveria ter pensado mais antes de dizer qualquer coisa.

- Ah... eu fiz besteira... - Confessei baixo.

O âmbar desceu em mim. Ele está... diferente do que estava antes.

- Você seguiu seu coração, que mal há nesse caminho?

Ele é ingênuo e isso me fez sorrir um pouco. Ele me trouxe um pouco mais perto, acariciou meu rosto e ele não parou de me encarar. Seu olhar intenso me fez ficar quente e levemente envergonhada e isso me fez desviar o olhar. Ele bufou com um riso.

Voltei a olhá-lo suportando a inquietação que está no meu peito, eu gostaria de não estar, mas eu estou hipnotizada por esse homem e ele está por mim. Ele parou de acariciar minha bochecha e desceu para o meu maxilar erguendo-me para mais perto de seu rosto. Eu sei que não deveria ceder a isso, que deveria voltar para Micka porque eu sinto algo por ele, mas eu simplesmente... não consigo.

Eu quero descobrir o gosto que se esconde atrás dos lábios estreitos.

Esses desejos que despertam em mim, são errados, ao mesmo tempo são os mais corretos. Mickael e eu não temos um compromisso oficialmente, mas eu disse que tentaria, e nesse instante eu estou fazendo isso com ele. Eu não deveria, mas pela Mãe, eu estou querendo algo que nem mesmo eu sei o que é!

Eu sei o que é, só não quero aceitar. Eu estou grata, é apenas isso. Aceite.

O conto da Princesa Perdida (REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora