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Desvio o olhar.

- Não, porque porra, eu te salvei de uns otários que estavam te caçando e eu sei que você sentiu o que eu senti também! Então me fala princesa, o que caralhos eu tenho que fazer para você tentar viver?

Ele me puxou pela perna para ficar mais próximo dele, seu corpo está rígido pela raiva e ódio que está sentindo de mim.

- Me fala princesa! Que porra eu tenho que fazer para você querer viver?

As lágrimas voltam a rolar.

- Será que você pode não chorar mais? - Toca meu rosto fazendo-me uma carícia. - Eu não quero mais te ver sofrer assim!

Eu não consigo parar de chorar. Estar com ele é como abrir as portas para a minha dor outra vez. Eu não sei fazer parar.

- Faz parar! - Eu imploro. - Só faz parar!

Me olha decepcionado.

- Porra princesa, não me fode. - Diz e passa a mão pelo meu pescoço. - Não me fode assim. - Sussurra. - Eu vou te fazer dormir e quando acordar nunca mais me peça para te machucar outra vez! - Seus lábios tocam minha bochecha molhada. - Me peça qualquer coisa que vou dar a você, mas não me peça para te machucar, nunca mais!

Eu não sei mais que opção existe para mim. Eu não sei mais lidar com isso, eu não sei como vou sobreviver a isso outra vez. Ele pressiona minha nuca com uma força absurda e isso me desacorda.

Eu estou naquele lugar tampado pela névoa cinza e seja o que for, está agitado. Tem alguma coisa tentando sair das correntes, eu consigo ouvir seus sons pesados e graves. Ele está agitado e está irritado também. Parece que ele está descontente e extremamente raivoso. Porque essa criatura está assim?

Um peso na cintura me desperta, a dor de cabeça começou a pulsar, a vontade de chorar me dominou outra vez. O homem, que aparentemente, tem uma afeição por mim, está dormindo abraçado comigo. Ele é a causa do meu luto estar descontrolado. Ele é o motivo do meu colapso.

- Vá embora. - Peço sabendo que ele está acordado.

- Me expulse daqui. - Rebateu com a voz grave.

- Vá embora, eu estou te implorando. - Peço engolindo o choro. - Por favor, isso dói demais e se acontecer outra vez... - Engulo em seco. - Hércules não vai sobreviver. Então por favor não torne isso mais dolorido do que já está sendo.

- Será que você é tão ridícula ao ponto de não entender? - Me perguntou irritado e abraçou minha cintura.

- Entender o que? - Pergunto sorrindo com tristeza. - Você é um humano, jamais vai entender.

- Eu entendo o que é o luto! O que é a dor de perder quem se ama!

- Não, você sabe o luto humano. - Me levanto e ele também. - O luto de um feérico é pior! Porque eu sou quase imortal! O tempo de vida que eu tenho é quase dez vezes maior que o seu, então não pense que pode comparar o luto de um feérico com um luto humano!

- Luto é luto. Dor é dor. Não importa o que, quem você seja, o luto ainda é o mesmo!

- Sabe porque criaturas imortais invejam os mortais? - Acabo sorrindo com tristeza. - Vocês não são amaldiçoados!

- Amaldiçoados? Você não sabe nada sobre maldição! - Ele me disse impaciente.

- Não, você, humano, não sabe como é ser amaldiçoado a acordar todos os dias, a sentir essa dor todos os dias! Eu vou ter que acordar todos os dias e saber que por minha culpa, que por minha fraqueza inúmeras pessoas foram mortas!

Sorriu descrente.

- E você é quem? A Mãe, por acaso? Você não é responsável por todo mundo!

Me diz crendo que suas palavras são a verdade, crendo que suas palavras vão fazer com que eu acredite e deixe essa dor para trás.

- Você não entende de responsabilidade, não é da realeza.

Digo por fim, me dando por vencida, esse humano não é responsável, nunca entenderia. O que eu perdi, não foram apenas os meus pais, foi meu reino, minha herança, eu perdi minha vida. Eu perdi tudo, absolutamente tudo.

- Ser da realeza não a torna melhor que um humano, ser a porra de um alto feérico não te faz a imperatriz do mundo! Ser a porra de uma criatura não te faz melhor do que ninguém!

- Eu nunca disse que eu sou melhor que ser alguém ou que a realeza me faz ser melhor!

Rebato suas palavras impaciente. Paro e respiro fundo, discutir com ele não vai me levar a lugar algum, discutir com ele não vai me fazer bem algum, só vai piorar o que eu estou sentindo. Humanos não compreendem e não entendem o que é ser uma criatura imortal, não sabem como é reviver suas memórias toda vez que sua cabeça está vazia, ele nunca vai me entender, afinal... ele é só um humano.

- Por favor, vá embora. - Peço.

- E pra que? - Pergunta se aproximando de mim. - Pra você ficar aqui e tentar se matar? Pra você ficar se culpando por coisas que estão além do seu controle?

- Por favor, vá embora. - Peço outra vez sentindo o caroço se formar na garganta. - Por favor.

- Não. Não quando eu sei que posso tirar sua dor.

- Tirar minha dor? - Sorrio descrente. - E você vai fazer o que? Apagar minha memória e me dar uma nova?

- Não. Eu literalmente posso tirar sua dor. - Se aproxima de mim e meu coração acelera.

- Não.

Nem mesmo minha consciência acreditou nessa negação, quem dirá o humano.

- Eu gosto de uma tortura, principalmente quando sou eu que faço. - Ele bloqueia meu caminho. - Mas quando é comigo. - Trincou o maxilar. - Eu tenho um certo desgosto por ela.

- Se afaste de mim. - Falo e puxo a adaga de meu pai.

- O caralho, como que você pegou a adaga? - Ele pergunta surpreso.

- Eu não peguei. - Falo. - Aquela era da minha mãe. Essa é do meu pai. - Toco seu corpo com a lâmina. - Vou te pedir educadamente, se afaste!

- Vou te dizer uma coisa princesinha teimosa.

Ele ficou perto, perto demais!

- Quando nos vimos a primeira vez, você sentiu e eu sei que sentiu, uma conexão comigo, porque porra é impossível dizer que não estamos conectados!

- Sim, estamos, você me salvou, essa é nossa relação. - Eu disse recuando o corpo contra a parede. - E a propósito, obrigada por me salvar, agora eu não sou mais sua responsabilidade. Já pode ir.

Ele ri e seu corpo estremeceu com a risada.

- Será que você pode me deixar ajudar?

- Eu não preciso da sua ajuda.

- É, realmente não precisa. - Ele confessa. - Mas existem algumas coisas que só eu posso fazer por você e tirar sua dor é uma delas. - Ergue a mão e hesita antes de tocar meu rosto. - Você tem uma forte proteção mental, mas se você se abrir para mim e me deixar entrar.

Ele começou a rir e eu fico... constrangida? Essa fala pode ser colocada em um contexto completamente diferente!

- Porra, eu tenho que parar de ficar falando coisa com duplo sentido. - Ele suspirou. - Vou tentar outra vez.

- Não vai. - Falei rápida. - Eu não quero que faça isso! 

O conto da Princesa Perdida (REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora