Capítulo 63: Quase matou nos duas.

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Gosto de pensar que não sou mais aquela mesma Abigail que vivia presa dentro de uma casa no meio do nada. Que deixava sua mãe lhe contar histórias bonitas e influenciar suas escolhas, pintando o mundo de uma forma menos bonita do que ele é. Ela tinha razão, o mundo não é perfeito. Mas ele também não é nada assustador como ela fazia parecer. Assustador é perceber que cresci dentro de mentiras e do sofrimento de quem realmente era importante pra mim.

Soltei um suspiro os corredores ao meu redor. Tudo era extremamente branco, de uma forma que chegava a me dar agonia. As pessoas que passavam ao nosso redor também usavam roupas brancas, carregando pranchetas cheias de anotações e outras coisas. Mas haviam alguns homens, que pareciam paredes de músculos, parados em alguns pontos dos corredores, com os olhos atentos a qualquer coisa anormal.

—Tem certeza que quer fazer isso? —Meu pai questionou, com o braço ao redor do meu ombro. Havia um buraco no meu peito, que parecia que nunca iria desaparecer. E ouvi-los falar comigo de forma tão amorosa me deixava a beira do abismo.

—Tenho. Eu não vou demorar. —Prometi, me afastando e me virando para os dois.

Minha mãe olhou hesitante para o meu pai, como se quisesse impedir, mas ao mesmo tempo que não desejava interferir no que eu queria, como havia prometido. Meu pai apenas sorriu pra ela, puxando-a para perto antes de olhar pra mim e assentir. Ele não precisava dizer. Nenhum deles precisava. Eu sabia que estariam ali fora me esperando. Mas eu precisava mesmo fazer isso. Precisava fechar essa história e então escondê-la no fundo do baú, no lugar mais escuro possível.

Caminhei até onde o homem de branco me aguardava, antes de me guiar até uma sala. Ele abriu a porta pra mim, gesticulando para que eu fosse. A primeira coisa que vi foi o homem de branco no canto da parede, com uma expressão séria. Quando entrei por completo, vi a mesa que estava no centro da sala, onde Kristie estava sentada do lado oposto ao meu,

Ela ergueu os olhos assim que a porta se fechou atrás de mim, parecendo surpresa por um momento ao me ver, antes de abrir um sorriso enorme e ficar de pé, como se tivesse a intenção de vir até mim. Eu dei um passo para trás, enquanto o homem deu um passo à frente, lançando um olhar de alerta a ela, que a fez encolher os ombros e se sentar de novo.

Caminhei até ali, puxando a cadeira e me sentando. Mesmo com a mesa entre nós duas e o homem pronto para agir a qualquer sinal de perigo, eu ainda me sentia inquieta e desconfortável. Kristie estava de branco também. Um branco que a deixava apagada demais. Os cabelos loiros caídos sobre os ombros, desorganizados. Nada como ela costumava ser.

—Você demorou pra vir. Insisti tanto para que eles a chamassem. Mas ninguém me ouviu. —Murmurou, olhando pra mim com uma expressão de pura adoração, como se estivesse tão feliz em me ver.

—Eles a ouviam, sim. Foi eu que não quis vir. —Esclareci, observando a forma que ela absorveu minhas palavras, como se estivesse desconfortável dessa vez. —Estava recuperando os pedaços do que tinha restado de mim depois do que você fez.

—Eu fiz o melhor pra nós duas.

—Você fez o melhor pra você. —Retruquei, sentindo um gosto amargo na minha língua ao olhar para a careta que se formou no rosto dela. —Qual era o nome dele?

Ela ficou pálida por um momento, como se não esperasse me ouvir perguntando sobre aquilo. Seus lábios tremeram quando desviou os olhos de mim para encarar a mesa entre nós. Mesmo que aquilo me incomodasse, era o motivo de estarmos ali.

—Kevin. Tínhamos escolhido o nome Kevin pra ele. —Afirmou, com a voz saindo incrivelmente baixa, que eu quase não ouvi.

—Eles teriam me chamado de Elise, mas imagino que você saiba disso. —Falei, umedecendo os lábios com a língua, enquanto negava com a cabeça de leve. —Não acho que você de importe ou que tenha ido atrás para saber disso. Tenho certeza que sua preocupação naquele tempo foi em não deixar rastros do que tinha feito. Kevin ganhou um velório e um lugar bonito para descansar. Assim como eu, ele era absolutamente inocente. Meus pais levam flores a ele sempre que podem.

—Seus pais? —Ela repetiu, soltando uma risadinha ácida.

—Visitei Billy depois que sai do hospital. Da primeira vez que nos vimos ele tinha ficado na defensiva, com medo de você fazer algo contra ele. Mas dessa vez ele foi gentil e pediu desculpas por não ter feito nada para evitar, mesmo que a culpa não tenha sido dele. —Continuei, ignorando o sarcasmo que estava no rosto dela ao me ouvir chamar outras pessoas de pais. O sarcasmo que desapareceu quando me ouviu falar de Billy. —Você o afastou e o ameaçou quando ele percebeu que alguma coisa estava errada naquela época, quando ele ainda estava processando a morte do primeiro filho. Você o fez ir embora, sem saber o que havia acontecido com aquele bebê. Meus pais o levaram até o lugar que Kevin foi enterrado. Billy chorou e agradeceu, além de tentar se desculpar de novo. Diferente de você, ele soube lidar com o luto sem machucar outras pessoas no processo. Ele conseguiu seguir em frente, se casando e tendo filhos outra vez.

—Ele nunca me entendeu de verdade. —Kristie suspirou, comprimindo os lábios. Tudo que eu dizia parecia não ter qualquer efeito sobre ela. Não havia nada lá, além das próprias convicções que a faziam ignorar qualquer coisa moral e certa. —Assim como você. Me trocou na primeira oportunidade que encontrou. Foi uma ingrata e quase matou nós duas.

—Eu sei. Por que acha que eu agarrei o volante? —Indaguei, percebendo o susto que ela tomou ao ouvir minhas palavras. —Não sei bem porque eu vim até aqui. Acho que só queria olhar pra você uma última vez, antes de apagá-la por completo da minha vida.

—Eu sou sua mãe. Você nunca vai me apagar da sua vida. —Afirmou, com o descontrole logo surgindo na forma de falar e na forma que me olhava. Aquilo me fez balançar a cabeça negativamente, ficando de pé. —Abigail Brooks, não de as costas pra mim, enquanto eu falo com você!

—Harding. —Corrigi, caminhando até a porta, escutando ela soltar uma respiração hesitante.

—O que?

—É Abigail Hargind. —Olhei pra ela uma última vez, sabendo que jamais voltaria ali e jamais desejaria olhar pra ela de novo.

—Sua ingrata! —Exclamou, ficando de pé, o que fez o homem se mover para perto dela, pronto para agarra-la se ela ousasse vir pra cima de mim. —Quando eu sair daqui...

—Se depender dos meus pais você nunca vai sair daqui. —A cortei, observando seu rosto ficar pálido quando percebeu o que aquilo poderia significar. —Espero que goste da sensação de viver presa, mamãe.


Continua...

Como conquistar Abigail Brooks / Vol. 4Onde histórias criam vida. Descubra agora