O recomeço

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Viturino

Ouço os diversos passos dos enfermeiros para dentro do quarto.

Outra parada cardíaca.

Não sei por quanto tempo ela vai aguentar, não sei se seu corpo vai ser forte o suficiente pra passar por tudo isso mais um mês, afinal já se passaram três meses.

Diversas paradas, seu quadro entre melhoras e pioras oscila drasticamente e isso me preocupa demais.
Respiro fundo sentindo o ar entrar com força em meus pulmões fazendo minha caixa torácica se movimentar intensamente.

— Maria, olha pra mim — digo pra ela assim que ouço um disparo, ela fita meus olhos e vejo engolir com dificuldade sua saliva — fica bem abaixada e põe o sinto.

O barulho das sirenes acompanhadas dos tiros me fazem entrar em desespero. Não era pra essa merda tá acontecendo, não com ela aqui.

Ouço outro disparo e acaba pegando no pneu traseiro da esquerda, dificultando meu controle sobre o volante.

— Vicenzo...

— não fala nada, não ouse falar nada disso que tá pensando aí dentro.

— eu te amo — ela continua mesmo assim — eu não vou aguentar se acontecer algo com você...

— não faz isso — olho pros seus olhos dividindo a minha atenção freneticamente entre uma direção e outra.

Meu peito doía, eu sentia que algum bagulho ruim ia acontecer e isso tava me deixando nervoso pra caralho.

— mas se acontecer algo comigo, quero que siga sua vida, quero que tente ser melhor todos os dias pela sua família, pelo Silas...

Depois da noite que tivemos, de foder ela em todas as posições e sentir seu corpo em combustão junto com o meu, depois dela dizer com todas as letras que estava disposta a morar comigo e se casar dentro de alguns meses, essa merda toda aconteceu. Parece que quanto mais eu procuro por paz, mais o perigo me persegue.

— senhor ? — sinto o toque da enfermeira em meu braço e quando cruzo nossos olhares ela afasta a mão — ela acordou.

Atravesso pelos corredores praticamente cego, sua mãe tenta acompanhar meus passos mas do jeito que eu tô é como se a porta do quarto estivesse ao meu lado.
Adentro em desespero e logo depois a mãe dela também entra.

— mãe ? — ouvimos um fio de sua que saia com dificuldade — onde eu tô ? — ela pergunta mais pra si mesma do que pra nós.

— meu amor — ela passa por mim e encosta na maca com lágrimas nos olhos e deposita um beijo na testa da Maria — a gente tá no hospital, você passou por um acidente.

Ela olha estranhando ainda, investiga cada canto. Me lembro que quando ela se jogou na frente do meu carro, mas agora ela está mais magra pela falta da boa alimentação.
Seus olhos correm pela minha estrutura, ela me olha curiosa e estreita seu olhar.

Caralho, não é possível.

acidente ? Que acidente ? — Marcela se vira na minha direção e me olha sem jeito.

— não se lembra do acidente ? — ela nega com um manejo de cabeça — Maria, qual a última coisa que se lembra ?

— mãe, na minha cabeça, a essa hora que eu nem sei qual é eu estaria voltando do colégio — Marcela e eu nos olhamos assustados.

— Mavi, tu sabe quem é esse homem que tá aqui ? — Maria me olhou, investigou e negou.

— eu deveria saber quem ele é ? — Marcela respirou fundo e apertou as têmporas.

— meu Deus — Marcela disse indignada.

Eu não consegui reagir, me virei de costas e fui até a parede encostando minha cabeça tentando processar tudo isso.

Um acidente, três meses completos amanhã e todos os momentos que passamos foram deletados.

Ouvimos uma batida na porta e logo o médico pediu licença passando por ela.

— olha só quem acordou, sua melhora nos surpreendeu, Maria — eu continuei como estava — tem algo errado ?

— doutor, a Maria não se recorda de alguns acontecimentos ou pessoas como...

— como eu, ela não se lembra de mim — disse me virando pra ele.

Eu não tava sabendo lidar com isso, minha cabeça, tava atordoada de saber que ela não sabe quem eu sou ou tudo que passamos, não sabe quem é o Silas, absolutamente nada.

— certo, vamos fazer novos exames agora que ela acordou, vou checar os sinais vitais, mas isso infelizmente é uma sequela então não posso garantir que ela se lembre do senhor — ele se aproximou da maca e fez algumas checagens nela.

A Marcela me olhava e eu sentia a pena vindo dela, eu tava fudido de ódio por tudo isso que aconteceu com a gente, eu simplesmente fui deletado da mente dela.

Senti meu celular vibrando sem parar no bolso e já peguei no ódio mermo.

— ela acordou ? Meu parceiro deu bingo no bagulho, achamos os filhos da puta.

— acordou, mas não se lembra de nada nem de mim.

— caralho, irmão.

Foi a última coisa que eu li antes de colocar o celular no bolso e prestar atenção na conversa deles.

— como se sente ? — o médico perguntou.

— como se um caminhão tivesse me atropelado, não foi assim o acidente ? — ela sorriu sem graça.

— não foi bem assim, mas quase. Preciso que se cuide quando sair do hospital, acredito que se der tudo certo nos exames daqui duas ou três semanas já vai estar liberada — ela revirou os olhos e concordou.

Marcela se aproximou de mim e deu um breve sorriso.

— vou sair junto com o médico, deixar a Morena a par da situação e o GL também — assenti ainda processando — vai com calma, eu sei que isso te assusta também, mas ela não se lembra.

— tá tranquilo — foi a única coisa que consegui dizer.

Marcela e o médico saíram depois da coleta de sangue e alguns outros exames ela vai precisar fazer fora do quarto, mas não agora.

Me mantive imóvel olhando fixamente pra ela, nem tão longe e nem tão perto. Ela também me olhava como se nada fosse nada.

— como nos conhecemos ? — perguntou baixinho e eu ri me recordando.

— foi estranho — ela franziu o cenho — eu meio que te atropelei, mas na verdade tu se jogou na frente do carro.

— duvido que eu tenha me jogado, provavelmente eu estava na faixa de pedestre e você não parou — ela realmente só não se lembrava de mim, porque de ser afrontosa ela com certeza se lembrava.

Entre A Paz E O Perigo [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora