Capítulo 54

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Mavi ❤️‍🔥

Eu comecei a sentir o formigamento mais intenso conforme a discussão crescia, mas não fazia ideia que poderia ser um aborto até sentir o líquido quente escorrer.

Um médico e duas enfermeiras entraram pela porta poucos minutos depois do Vicenzo ter saído e depois disso ele não voltou. Me sentia como uma criança ansiosa esperando por um presente que queria a tempos.

A única que entrou depois disso foi minha mãe e com muita insistência, porque o médico não queria permitir a entrada de ninguém além do pai da criança.

Meu corpo ainda doía, mas o possível vazio dentro de mim doía mais. Ganhar e perder um filho dentro de horas é uma sensação horrível, nem me acostumar com a ideia de ter ele dentro de mim e agora não ter mais.

— conseguimos conter o sangramento — ouço o médico falar sobre o procedimento que fizeram — vou fazer uma ultrassom agora pra garantir que esteja tudo bem, e se não estiver a conversa será outra — apenas confirmei com a cabeça, não tinha palavras pra mais nada.

Sinto ele passar o gel gelado pelo colo do útero e um pouco acima, uma das enfermeiras me observa com atenção enquanto a outra auxiliava o doutor.

Ele movimenta o aparelho para os lados e eu mesmo sem entender olho pra tela com um fio de esperança, como se pudesse ver meu filho sem impedimento algum.

Meu filho.

Será que eu já estava me adaptando com a ideia de ter esse bebê e cuidar dele ?
Eu não sei explicar, mas o desespero em ver tanto sangue e pensar que ele não existia mais me deixava aflita, triste e desolada.

— licença aqui — meu pai entrou com uma cara nada boa, mas minha surpresa veio mesmo quando vi o Vicenzo passar pela porta.

Minha mãe segurou minha mão e me olhou com tanta ternura e carinho que pude sentir o quanto ela queria tirar toda essa dor de mim. Sua pele quente contra a minha que estava gelada. Meu pai se encontrava imóvel, observava a tela da ultrassom tão atento quanto eu.

Vicenzo estava ainda próximo da porta, fixou os olhos em mim com a cara fechada de sempre e desviou o olhar quando ouviu as palavras do médico.

— sinto muito, Maria — suas palavras me acertaram como um soco — tentamos conter o sangramento, fizemos o que foi possível, mas sua gravidez já apresentava um risco — senti um aperto forte na minha mão, meu pai abaixou a cabeça e respirou fundo.

Eu sabia o que significava um sinto muito, ainda mais acompanhado de uma situação como a minha, eu fiquei sem reação e apenas fechei os olhos. As lágrimas que estavam travadas e guardadas desde cedo já escorriam quentes pelo meu rosto, me fazendo perceber o quão forte eu tinha sido em aguentar tanto em tão pouco tempo.

Apanhar, ser torturada e ainda perder meu filho que eu nem sabia da existência era como um furacão que passou fazendo um caos na minha cabeça. Eu queria o colo dos meus pais, mas ao mesmo tempo queria estar sozinha.

Involuntariamente minha mão deslizou pela barriga que não tinha nenhum volume aparente, fiz um carinho zeloso por ali sentindo aos poucos essa dor tomar o meu peito e aos poucos os soluços começaram a aparecer.

O calor do corpo dos meus pais chegou em mim rapidamente, um de cada lado me envolvendo com os braços. O meu choro aumentou até que aos poucos minha cabeça comeu a doer e minhas têmporas latejarem.

— meu amor — olhei atentamente para minha mãe — você vai precisar passar por um processo um pouco doloroso, não sabe ?

— sei, retirar o feto — minha voz quase não saia.

— ela precisa mesmo disso, Marcela ? — minha mãe apenas assentiu em resposta a pergunta do meu pai.

O médico permaneceu na sala, aguardou um momento em família pra depois falar sobre como a curetagem seria feita.

— lamento ter que passar por isso sendo tão nova, Maria, mas não perca as esperanças...não afetou sua fertilidade e serei o mais cuidadoso na curetagem — dito isso ele saiu da sala pra que eu me preparasse e conversasse com meus pais.

Nesse momento eu encontrei os olhos do Vicenzo me observando, mais exatamente minha barriga. Ele estava quieto, sem reação alguma.

Minha mãe, sempre muito observadora, percebeu o estado dele assim como eu.

— Augusto, vamos lá pra fora um pouco, preciso tomar um café — meu pai parou de alisar meu cabelo e olhou pra minha mãe como quem tinha entendido, mas negou.

— vou ficar aqui com ela, pode ir.

— Augusto, não começa.

— começar o que ? — meu pai olhou pro Vicenzo que observava a cena — ele tá ali, ouviu que perdeu um filho e nem se mexeu.

— pai — repreendi ele com o olhar.

— tô esperando tu confortar tua filha pra poder trocar um papo com ela, mas tu tá sempre procurando um defeito pra falar, caralho — ele desencostou da parede e se aproximou mais da cama — acha que eu ligo se tu gosta ou não de mim, GS ? Pode falar pra caralho ai.

— chega, por favor parem com isso — pedi aos dois, eles se encaravam tão profundamente que pareciam soltar fumaça — pai, eu preciso conversar a sós com ele.

— eu vou, mas eu sou teu pai, pode gritar que eu venho correndo — ele encarou o Vicenzo uma última vez e deixou um beijo na minha testa.

Entre A Paz E O Perigo [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora