43 - a camiseta dela

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13 de novembro; 2024
AMÉLIA MARTINEZ

Acordei com a luz suave do amanhecer invadindo o quarto. Meu corpo ainda estava relaxado, aquecido pelo colchão e pela lembrança da noite passada, que parecia vibrar na minha pele, mesmo agora. Virei o rosto e encontrei Gabi dormindo ao meu lado, seu rosto sereno, com as pálpebras fechadas, os lábios levemente entreabertos e os cabelos espalhados no travesseiro. Ela parecia tão tranquila, quase irreal, como se fosse uma pintura de algo perfeito que eu não tinha direito de tocar.

Observei seu rosto por alguns segundos, a respiração lenta e constante dela me acalmando. Tentei absorver cada detalhe daquela cena, gravando-a na minha mente como uma fotografia que eu guardaria para sempre. Era quase surreal imaginar que, de todas as possibilidades, eu estava ali, ao lado dela, depois de tudo o que aconteceu entre nós. De repente, tudo parecia tão mais claro, como se, de alguma forma, o mundo fizesse sentido naquele instante silencioso.

Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos, mas era difícil.  Tudo que fizemos, cada toque, cada palavra, cada suspiro... ainda ecoava em mim, despertando uma mistura de satisfação e nostalgia antecipada. Quase como se eu temesse que, ao abrir os olhos, tudo pudesse desaparecer, e eu acordasse sozinha, percebendo que era apenas um sonho.

Por um momento, tive vontade de acordá-la, de ver seu sorriso ao abrir os olhos e perceber que eu estava ali, mas hesitei. Eu não queria quebrar aquela paz, aquele instante tão raro e precioso. Em vez disso, continuei ali, apenas sentindo sua presença, ouvindo o ritmo suave da respiração dela, e permitindo-me, por um instante, relaxar completamente.

Lembrei de como ela me olhou na noite passada, com uma intensidade que desafiava qualquer explicação. Era como se ela estivesse me vendo de verdade, atravessando todas as camadas que eu sempre mantive tão cuidadosamente erguidas. E a forma como ela tocou minhas cicatrizes... Cada beijo que Gabi deu nelas parecia carregar uma aceitação e um carinho que me desarmaram completamente. Eu nunca tinha experimentado algo tão íntimo e real. Ela enxergou não só meu corpo, mas minha história, as marcas que eu sempre tentei esconder, e não hesitou em aceitá-las. Aquele toque, aquele cuidado... era um tipo de entrega que eu nem sabia que precisava.

Senti uma pontada de medo. Porque, bem ali, ao lado dela, eu estava vulnerável de uma forma que poucas pessoas me viram. E, ao mesmo tempo, eu nunca quis tanto me entregar a alguém como agora.

Um pequeno sorriso se formou nos meus lábios, e eu não consegui conter. Era uma sensação nova, uma felicidade quieta, sem pressa, sem grandes declarações ou gestos. Apenas o alívio de estar ali, com ela, de finalmente me sentir completa de uma forma que eu nunca imaginei ser possível.

Ainda não sabia o que aquilo significava para nós, não sabia se esse sentimento era algo que ela compartilhava, ou se seria apenas um momento isolado em nossas vidas. Mas, pela primeira vez, eu não queria pensar no futuro, nas expectativas, nos medos. Eu queria apenas aproveitar aquele instante, aquele pedaço de felicidade que parecia tão raro e verdadeiro.

Levantei-me devagar, tentando não fazer barulho para não acordá-la. Cada movimento era cuidadoso, quase reverente, como se eu tivesse medo de desfazer a paz que pairava no quarto. Olhei ao redor, procurando algo para vestir e tentando ignorar o frio que a ausência do corpo quente dela deixava na minha pele. Foi então que meus olhos caíram sobre uma camisa jogada em uma cadeira próxima.

A camisa dela. O tecido ainda guardava o perfume que era tão característico de Gabi, uma mistura suave de algo fresco e levemente amadeirado, um cheiro que me lembrava dela sempre que eu fechava os olhos. Peguei a peça com cuidado, quase hesitante, e deslizei o tecido por meus braços, sentindo o material tocar minha pele e me envolver como um abraço invisível.

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