16 - sou melhor sozinha

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21 de outubro; 2024
AMÉLIA MARTINEZ

Acordar às 4h da manhã não é fácil. Na verdade, é tudo menos fácil. O alarme toca como um aviso, rompendo o silêncio que envolve meu quarto. É um som cortante, mas eu já estou acostumada. Levanto-me, ainda envolta nas cobertas, enquanto a escuridão parece me prender. Mas a sensação de estar no controle, de ter um plano, supera qualquer cansaço que possa surgir.

Calço meus tênis surrados, pego a garrafinha de água e abro a porta da casa, sendo recebida pelo ar frio que me atinge como uma bofetada. O contraste é intenso, mas é isso que me mantém alerta. O silêncio das ruas ainda adormecidas é reconfortante, um lembrete de que estou fazendo algo que poucos têm coragem de fazer. Eu corro.

A cada passada, sinto que estou me aproximando de algo — um ideal, uma versão de mim mesma que é mais forte, mais dedicada, mais... perfeita. Cada passo no asfalto é uma maneira de afastar o medo de não ser boa o suficiente. Isso me consome, essa necessidade de provar que posso ser a melhor, que posso conquistar o que eu quiser.

Mas mesmo assim, cada respiração profunda carrega uma ansiedade subjacente. O ritmo da corrida se torna um mantra, uma tentativa de controlar a tempestade que se forma dentro de mim. A cada quilômetro, a pressão aumenta, e a dúvida se infiltra como uma sombra: e se eu não for capaz?

Quando finalmente volto para casa, o sol ainda está tímido, apenas começando a romper a escuridão. Faço uma rápida refeição — algo leve, uma banana e um pouco de aveia — enquanto meu estômago reclama da privação. Mas eu ignoro, pois sei que tenho que seguir em frente. Meu coração acelera ao pensar na rotina de vôlei que me aguarda. Chegar mais cedo do que todos é uma forma de garantir que, se eu estiver sozinha, posso me dedicar sem distrações.

Ao entrar no ginásio, um silêncio familiar me envolve. O piso de madeira brilha sob as luzes fluorescentes, e o cheiro do esporte misturado com o suor me energiza. Eu me visto rapidamente, colocando o uniforme que, embora apertado, me faz sentir como uma atleta de verdade. Sinto a adrenalina correndo em minhas veias, mas logo a tensão se instala. Minhas companheiras de equipe ainda não chegaram, e isso é perfeito. É a chance de treinar sem interrupções.

Pego uma bola e começo a praticar. Arremesso, recebo, repito. Cada movimento é calculado, preciso, como se estivesse em uma dança ensaiada. O vôlei é a minha fuga, o meu porto seguro. Aqui, eu posso ser apenas a atleta, longe das expectativas e dos olhares julgadores. Mas mesmo enquanto jogo, uma parte de mim está sempre atenta, sempre analisando se estou fazendo o suficiente.

No entanto, a cada vez que a bola atinge o chão, sinto uma pontada de frustração. Não é perfeito o suficiente. Cada erro se torna um peso, uma prova de que eu ainda não estou onde deveria estar. Sinto a respiração se acelerando, a pressão se acumulando em meu peito como um peso insuportável. Eu me forço a treinar mais, a me esforçar além dos meus limites. O cansaço começa a se acumular, mas não posso me dar ao luxo de parar.

Quando as outras garotas começam a chegar, eu já estou suando, o cabelo grudado na testa. Elas entram em clima de descontração, rindo e fazendo piadas, enquanto eu estou absorta na minha própria pressão interna. O ambiente delas é leve e despreocupado, e eu me pergunto se um dia poderei me permitir essa liberdade. A amizade delas parece tão simples, enquanto eu estou presa em um ciclo de autocrítica.

Gabi, é uma das primeiras a notar minha presença. Ela me cumprimenta com um sorriso, mas a preocupação nos olhos dela não passa despercebida. Ela sempre foi aquela que captava o que ninguém mais via. Ela tinha um jeito de perceber as coisas, mesmo quando eu fazia o meu melhor para esconder. Enquanto o resto das meninas riam e se preparavam para o treino, os olhos dela estavam em mim, aquele olhar que eu já conhecia bem — um misto de carinho e preocupação.

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