O ar ali era diferente. Ele não sabia muito bem como explicar; a melhor palavra que pensava para definir o que sentia era diferente. Não que Valfenda fosse melhor que Mirkwood, nunca. Só se sentia... Diferente em meio aquele salão e paisagens coloridas, estava tão acostumado as grandes e antigas árvores da floresta, tão frondosas eram suas copas que a própria luz tinha dificuldade de adentrar. Sem dúvida, acompanhar seu pai até aquele local fora uma ótima ideia. Mas, ao invés de explorar o novo local, estava ali sentado em uma das amplas varandas de Valfenda, lendo um livro. Seu pai o tinha instruído a não sair dali enquanto estava discutindo "negócios importantes" com outros senhores elfos. Thranduil, quase personificando o sentido da palavra, estava entediado.
– O que está lendo? – O jovem elfo se sobressaltou e olhou para os lados, buscando a fonte da súbita voz. Contudo, nada viu. Será que estava ouvindo coisas? Todavia, quando notou a presença do intruso, já era tarde demais: o outro elfo tinha vindo ligeiro e silencioso, escalando o parapeito da varanda. Em seus movimentos rápidos ali estava, e não só exibindo um sorriso malandro nos lábios, como também tendo o livro que Thranduil estava lendo nas mãos.
– Ei! Isso é meu! – Tentou pegá-lo, mas o elfo de cabelos castanhos foi mais rápido, escalando uma coluna próxima, até o telhado e ali ficou, sentado e folheando o livro, ignorando o olhar mortal que o príncipe de Mirkwood o lançava.
– Uma balada romântica? E daquelas bem melosas... - O jovem elfo misterioso fez careta – Por isso estava com cara de entediado. Se eu fosse você, leria as mais épicas batalhas.
– E-eu não estava... - Corou, abriu e fechou a boca sem saber o que responder – afinal, aquele rapaz tinha acertado certeiramente: estava deveras entediado com a leitura. – Meu pai mandou que...
– Você sempre faz o que seu pai diz? – O livro foi jogado e Thranduil quase tropeçou em seu longo sobretudo prateado enquanto tentava alcançar o objeto lançado. - Seus reflexos são lentos. – Disse com um ar crítico e arqueando uma das sobrancelhas – Isso é por que se veste com essa roupa ridícula.
– Como ousa?! Essa roupa é uma das criações dos tecelões de Mirkwood! Esses fios são pura prata misturada com seda e...
– Tedioso. – Cortou o elfo jovem bocejando, aquela atitude só fez Thranduil ficar ainda mais irritado – Aposto que esse vestido deve te impedir de subir aqui.
– Pois você vai ver! E não é um vestido, idiota. Trata-se de um sobretudo! – Para provar o que dizia, desfez-se do laço que prendia o dito sobretudo, o abrindo. O elfo moreno virou o rosto para o lado, e Thranduil teve o vislumbre de um leve rubor dominar nas bochechas do seu rival. Não pôde deixar de sorrir triunfante com aquela reação. Retirou o sobretudo, e agora exibia uma roupa mais leve, perfeita para se movimentar. Correu e subiu no pilar. Os cabelos soltos, mas disciplinados, voaram em seus ombros.
– Vejo que posso ter me enganado. – Disse o elfo quando Thranduil chegou ao topo. Ele já tinha se levantado e andava de costas, e olhos verdes e claros cheios de astúcia fitavam o elfo loiro, como se estivesse o desafiando – Vejamos se consegue me acompanhar...
O príncipe de Mirkwood não teve tempo nem de emitir sua opinião, pois o moreno já havia começado a correr habilmente pelos telhados íngremes e cheios de floreios de Valfenda.
– Exibido. – Resmungou e, não querendo ficar para trás, também correu.
– Aliás – Gritou o elfo a sua frente – Me chamo Elrond!
– E-eu... Sou Thranduil – Gritou de volta, quase ofegante.
Elrond diminuiu o passo para ficar ao lado do elfo loiro.
– Eu sei quem você é. – Deu um sorriso amplo, e esta foi a vez de Thranduil corar – Duil.
– N-não me chame assim! – Gaguejou, quase tropeçando em um dos cantos dos telhados, quando foi amparado por uma mão forte. Elrond segurou a sua mão e o puxou para si, fazendo o príncipe de Mirkwood colidir de encontro ao seu peitoral firme e esbelto, feito o seu. Não era preciso tal movimento exagerado; ele dotava de equilíbrio como todo bom elfo.
– Eu acho que Duil combina bem com você.
– Não em chame assim, pois eu juro que na próxima vez vou...
– O que? Ler contos românticos para mim, até que fique entediado?
Aquele era o limite das provocações. Thranduil fez um movimento rápido com o corpo, fazendo Elrond cair de encontro ao telhado, tendo o loiro por cima de si. O príncipe de Mirkwood retirou uma pequena adaga de sua bota e a pressionou de encontro a jugular do outro.
– Não me provoque, Elrond.
– Oh... – O jovem elfo sorriu novamente e parecia totalmente relaxado, apesar da lâmina linda e prateada tão perto de um ponto vital – Isso foi realmente surpreendente, Duil.
– O que eu disse sobre me chamar assim?
– Sei que você gosta. – Piscou, malandro.
– Não gosto. Como pode saber se gosto ou não deste apelido ridículo? Acabamos de nos conhecer!
A mão de Elrond tocou seu pulso, em um movimento lento e de certa forma carinhoso.
– Eu sei. Como também sabia quem você era e onde iria te encontrar. Às vezes eu tenho essas visões do futuro. – Falou em um tom meio embaraçado, como se revelar essa habilidade fosse, para ele, motivo de vergonha.
– Você me viu em seu futuro?
– Sim. Nossos futuros estão interligados, Duil. – Disse isso levando a mão trêmula do príncipe a sua boca e a beijando levemente. Thranduil quis puxá-la de volta, mas algo não o deixou.
– E-está mentindo! Isso não é...
– Senhor Elrond? – Thranduil levantou-se subitamente ao ver que não estavam sozinhos e escondeu a adaga atrás de si. Um outro jovem elfo de cabelos negros e olhos verdes se aproximava. Seu olhar permaneceu por um tempo sob o elfo de Mirkwood para depois se voltarem para Elrond – Seu pai está te procurando... Não devia fugir das lições desta maneira.
– Laeroth, você é meu primo e não minha babá, sabes disso, não é? – Resmungou Elrond enquanto se levantava.
O elfo nada disse, apenas deu os ombros, a expressão impassível.
– Creio que seu pai também te procura. – Falou, lançando uma nova mirada a Thranduil, que corou e forçou um sorriso.
– Obrigado por me avisar. – Murmurou, envergonhado.
– Relaxe! – Riu Elrond, dando uma leve tapinha no ombro do outro elfo – Todos nós temos uma fase de rebeldia!
– Uma atitude dessa não deveria ser própria do herdeiro de Valfenda. – Repreendeu Laeroth, mas o elfo exibia um meio sorriso provocador.
– Assim você está falando como o meu pai... Quer saber? Que tal apostarmos uma corrida até o salão de reuniões? O que acha, Duil? Será que consegue vencer? E você, Laeroth? – Mal tinha acabado de falar e já começou a correr.
– E-espere! – Thranduil ficou confuso, sentia o ímpeto de o acompanhar, mas sentia que seu comportamento não era próprio de um príncipe, seu pai provavelmente...
– Eu conheço um atalho. – Sussurrou Laeroth – Gostaria de ver a cara que ele faria ao nós ver chegando primeiro.
– Isso seria... Bem...
– Divertido?
– Sim - Admitiu, finalmente, o jovem príncipe – Seria divertido.
Laeroth sorriu e começou correr, Thranduil o acompanhou. O coração palpitava em seu peito, fortemente. Nunca sentira tamanha excitação ou alegria assim antes.
Sem dúvida, nunca esqueceria aquela visita a Valfenda.
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Os dois reis sob a Montanha
FanfictionExistia uma aliança antiga entre o reino de Erebor e o Condado, em que o Reino dos Anões era responsável por proteger os hobbits. Contudo, o que o pequeno e pacífico Condado poderia oferecer? Do que se trata realmente essa aliança? Ela poderá ser...