A sala do trono, agora totalmente reconstruída, exibia toda o esplendor da cultura dos anões, com sua arquitetura elaborada talhada na própria pedra da montanha, conseguindo moldar escadarias, pilares e estátuas com perfeição. Bilbo sentia um calafrio na espinha toda vez que visitava aquele local. Sabia que Thorin estava orgulhoso pelo resultado final das renovações; os estragos causados por Smaug só permaneceriam gravadas na memória. Erebor ressurgia dos escombros e das cinzas do passado mostrando todo o seu esplendor novamente.
– Tsc. - Resmungou o primeiro rei, sentado em seu trono – Toda essa formalidade só para receber um elfo...
Bilbo rolou os olhos com aquela atitude.
– Balin, será que poderia explicar ao meu marido as obrigações dele como o rei? – Pediu Bilbo, que estava sentado muito confortável ao lado direito do primeiro rei.
O anão ancião deu um meio sorriso e abriu a boca para falar, como lhe foi ordenado por seu segundo rei, mas foi prontamente interrompido pelo o rei anão.
– Eu sei quais são minhas obrigações! – Praticamente rosnou.
– Então, pare de ficar resmungando. Além disso, "toda essa formalidade" tem suas vantagens. - Bilbo falou lançando um olhar de desculpas a Balin pelos hábitos grosseiros de seu marido, que deveria agir como um monarca e não como um garoto mimado - mas o hobbit tinha seus meios de fazer com que seu adorado companheiro cooperasse com a cerimônia.
– Vantagens? Como o quê? – Thorin arqueou uma sobrancelha, claramente descrente daquela afirmação. Até ajeitou-se mais na grande cadeira. Bilbo deu um sorrisinho discreto.
– Faz tempo que não te vejo vestido desta forma, com coroa e tudo... Me faz lembrar do dia do nosso casamento. – O hobbit sorriu ainda mais e, como magia, a expressão mal-humorada de Thorin foi substituída por um sorriso de alegria.
– Você também está belo deste jeito, meu esposo. Isso realmente me traz boas lembranças, principalmente da nossa noite de núpcias. – Piscou divertido ao ver que Bilbo começava a corar.
– Talvez, depois desta formalidade idiota possamos reviver algumas dessas lembranças em nosso quarto, não é mesmo? – Continuou o flerte extremamente indecente para aquela situação, aproveitando que seu querido hobbit estava embaraçado demais para falar.
– Tio, por Mahal! Vocês estão em público! – Choramingou Kili, que agora tapava os ouvidos, dramático que só ele.
– Frerin vai ficar traumatizado! – Reclamou Fili que ainda detinha o bebê quase adormecido em seu colo.
– Muita hipocrisia da parte de vocês... – Resmungou o primeiro rei de Erebor – Como se não agissem de forma semelhante em relação a seus amantes.
Kili e Fili nada falaram, quase certamente emudecidos pela verdade gritante daquela afirmação proferida por seu tio.
– Acho que não é o momento ideal para termos esse tipo de conversa... –Interpôs Balin pigarreando. Sem dúvida, não era o momento ideal, pois logo as cornetas forjadas de metal anunciaram a chegada dos convidados. As grandes portas do salão foram abertas e um elfo de longos cabelos escuros adentrou, andando até o trono elegantemente. Bilbo pôde notar que o mal-humor de seu marido estava retornando.
"Que Yavanna nos ajude..." Pensou, já pressentindo um desastre diplomático.
– Thorin Escudo-de-Carvalho Durin II, filho de Thráin, primeiro rei de Erebor, eu vos saúdo. – O elfo fez uma pequena reverência – Também saúdo vossa majestade Bilbo Bolseiro-Durin, segundo rei de Erebor, herdeiro da dinastia do Condado.
Thorin soltou um resmungo que podia ser interpretado como gases ou mesmo como aceitado os cumprimentos formais do elfo. Apesar do tempo em que viviam juntos, o hobbit ainda não tinha traduzido todas essas expressões carrancudas de seu amado anão. Talvez um dia até publicasse algum livro a respeito; sem dúvida seria de muita ajuda para a posteridade. Bilbo cotovelou, de forma discreta, o seu marido. Se comunicar através de rosnados e grunhidos não era uma forma inteligível de iniciar uma conversa!
– Bem... Também estamos honrados com a sua visita, Lord Elrond, apesar de não saber ao certo qual é o seu real motivo aqui.
–... Thorin! – Ralhou o segundo rei.
– O quê? Faz décadas - se não centenas de anos - desde que algum elfo de Valfenda veio a Erebor! Tenho total direito de ser desconfiado. – Falou, dotado de rabujos, cruzando os braços diante do peito. Bilbo rolou os olhos com aquela atitude.
– Eu concordo. Vossa Majestade tem total direito de apresentar suas desconfianças; aliás, admiro sua sinceridade. – Sorriu Elrond, de forma contida. Pelo menos o senhor elfo não parecia ofendido pelas boas-vindas nada amistosas feitas por Thorin.
– Viu? Ele concordou comigo! – Disse isso com um ar vitorioso.
– Por favor, Lord Elrond, não incentive as atitudes nada educadas de meu marido.
– Eu estou sendo educado! Nem o chamei de comedor de pasto ainda. -Antes que o elfo pudesse responder, Thorin tentou se defender.
– Thorin! – Repreendeu Bilbo, já ficando totalmente embaraçado e igualmente irritado – Comporte-se, senão... Pode esquecer os sconnes que fiz. Vou dar todos para os nossos sobrinhos!
– Por Mahal! Isso seria maravi... - De súbito, Kili começou a falar alegremente, mas logo o olhar "fatal" que Thorin o lançou o fez gaguejar - Q-quero dizer... Que m-maldade, tio Bilbo! Tio Thorin necessita de seus sconnes diários! E nós odiamos esses sconnes... Eu não ligo se eles são cheirosos, fofinhos e quando os comemos derretem na boca... - Nesse momento o jovem príncipe anão já estava babando e exibia uma expressão sonhadora, totalmente alheio a carranca ainda presente - e talvez pior - de seu tio.
– Sem falar do gosto. – Adicionou Fili – Comer com geleia de amora ou mesmo com simples manteiga os torna ainda mais saborosos!
– Vocês estão descrevendo muito bem sobre os meus sconnes; até parece que comem vários. O que seria impossível, tendo em vista que eu proibi. São os meus sconnes afinal de contas. – A voz de Thorin podia parecer calma, mas Kili e Fili entendiam muito bem que estavam em perigo. Olharam de forma desesperada para Bilbo, que massageava a testa, obviamente achando que aquela discussão era ridiculamente desnecessária. Em pensar que ele mesmo havia começado a balburdia.
– Anões e sua necessidade de possessividade – Resmungou o segundo rei – Yavanna, dê-me paciência.
Drogo parecia o único a notar que eles não estavam sozinhos. Aquela briga doméstica não era algo apropriado para o ambiente em que se encontravam. O pequeno Bolseiro deixou que seus olhos vagassem pelo o grande salão do trono - guardas, servos e membros do conselho se encontravam também ali fazendo parte do cortejo de recepção. Para seu alívio, grande parte dos anões parecia não dar a mínima para as ações informais da família real; na verdade, alguns deles sorriam e riam. Entretanto, uma parcela dava a entender que... Bem, alguns membros do conselho cochichavam entre si e exibiam feições irritadas e desaprovativas. Um deles em particular parecia estar prestando ainda mais atenção que os outros - este seria o lorde Glorin. Drogo sentiu calafrios ao ver que o tal lorde anão o observava com uma estranha fixação.
– Pessoal... Acho que discutir sobre comida não seria apropriado... Ainda mais na presença do nosso convidado. – Disse, por fim, o jovem Bolseiro. Tentava, em vão, controlar a situação e também se distrair da sensação incômoda que lorde Glorin lhe causava.
– Oh, céus! Isso é verdade! – Concordou Bilbo totalmente corado. Que belo espetáculo estavam dando, apostava que o elfo deveria estar muito irritado...
Mas, para a surpresa de todos, Elrond não parecia ofendido - pelo o contrário. Sua face quase etérea trazia um sorriso e uma risada foi ouvida com clareza.
– Vocês são um interessante casal. – Admitiu, ainda sorrindo – E parecem ser uma maravilhosa família. Não se preocupem quanto as formalidades... Eu vim aqui para oferecer a minha amizade, e não tratados efêmeros ou falsidades.
– Hum? E por que estaríamos interessados na sua amiz... - Elegantemente, Bilbo chutou o seu amado marido, impedindo que proferisse mais uma frase rude.
– Não esqueça, Thorin, que foi o Lorde Elrond quem salvou os nossos sobrinhos. Estamos em dívida com ele.
O anão soltou um resmungo baixo em sua língua, algo que o segundo rei facilmente traduziu para a língua comum: "Em dívida com um comedor de folhas? Meus antepassados estariam comendo as próprias barbas se soubessem disso...".
– Agradeço a sua ajuda. – Falou, por fim, o primeiro rei – Meu esposo está correto, estou em dívida com você.
Elrond negou com a cabeça.
– Não precisa se preocupar com isso. Digamos que foi uma obrigação para com a minha família. – Disse isso lançando um olhar cordial para Drogo que sorriu.
– Hã? Família? – Thorin questionou com evidente confusão.
– Ora, veja a hora, querido. – Interveio Bilbo, que logo percebeu que a conversa não deveria continuar em ambiente tão formal e com tantos ouvidos quanto o sala do trono naquele momento – Deveríamos convidar o Lorde Elrond para o chá das quatro, não é mesmo?
O rei soltou um grunhido, algo que o segundo rei logo interpretou como uma aceitação da proposta.
– Será um imenso prazer acompanhá-los. Gandalf me falou de suas habilidades culinárias; realmente estou ansioso para experimentar a culinária dos hobbits.
– Ora, Gandalf está fofocando absurdos? Nossa culinária não tem nada de especial! – Falou com modéstia, contudo, um coro de protestos por parte dos anões foi logo ouvido pelo o salão, o que fez o segundo rei ruborizar totalmente.
– Acho que o nosso povo discorda disso. – Sussurrou Thorin ao esposo –Bem, elfo, nos acompanhe.
Elrond assentiu com a cabeça e acompanhou a família. Realmente teriam muito o que conversar.
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Os dois reis sob a Montanha
FanfictionExistia uma aliança antiga entre o reino de Erebor e o Condado, em que o Reino dos Anões era responsável por proteger os hobbits. Contudo, o que o pequeno e pacífico Condado poderia oferecer? Do que se trata realmente essa aliança? Ela poderá ser...