Barco, Barris e Perdão?

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— Onde está o mestre Flink? — Foi o primeiro questionamento lançado por um guarda elfo que interceptara o barco de Bard logo na fronteira de Mirkwood. Não era algo inesperado, afinal, era óbvio que seria barrado antes de adentrar no reino élfico; o que era inconveniente fora o fato de que o humano quase não vira de onde saiu aquele rapaz de orelhas proeminentes, com pontas afiladas, feições suaves e longilíneas, usando uma armadura dourada e portando um longo arco cuja flecha apontava para o pescoço do senhor de Dale.
— Saudações para você também, nobre criatura. — Levantou uma das mãos em sinal de rendição, já que a outra controlava o leme qual guiava com sutileza a embarcação pelo estreito braço do rio — Eu sou um dos aprendizes de Flink; para ser mais preciso, ex-aprendiz, já que posso ser considerado um barqueiro maduro e experiente...
— Não teste a minha paciência. Eu te fiz uma pergunta simples e exijo uma resposta do mesmo nível.
— Ora, e eu que pensei que os elfos, por serem imortais, tinham bastante paciência. — Provocou. O elfo, pelo visto, não tinha muito senso de humor, pois acabara de puxar a corda do arco - era um alerta.
— Como eu dizia antes de ser interrompido, sou um amigo de Flink e estou aqui lhe fazendo um favor. Não sei se você percebeu, mas o velho Flink já tem suas limitações físicas, logo, não pode desempenhar todas as suas funções como antigamente. Estou aqui aliviando um pouco das responsabilidades do meu velho mestre, visto que justamente hoje ele estaria indisposto e não queria atrasar as suas entregas.
O elfo parecia relutante em recolher o seu arco.
— Bem... É verdade que os homens envelhecem...
— Pois é, trata-se de uma característica cativante de nossa raça. — Piscou Bard, o que resultou em uma expressão de confusão por parte do jovem guarda — Pois bem, estou aqui para entregar os peixes. Quanto antes entregar, melhor, acredito que vocês elfos gostem deles frescos e não podres, não é mesmo?
— S-sim, claro. — Assentiu o guarda. Bard, internamente, suspirava aliviado.
— Espere! — Outra voz se intrometeu na conversa. Outro elfo surgiu das folhagens. O rei humano praguejou silenciosamente todos os deuses sobre as habilidades furtivas dos orelhudos.
— Acho que devemos verificar a mercadoria. — O outro guarda, pela a aparência, era mais velho e provavelmente era ele que estava no comando, para o desespero de Bard.
— Verificar a mercadoria? Bem, se quiserem abrir cada barril e contar os peixes, isso é problema de vocês, mas eu não tenho tempo a perder. Tenho outra mercadoria para recolher no porto-
— Pois é melhor arrumar tempo, humano. — Cortou o elfo-chefe com um tom claramente orgulhoso — Estamos pagando Flink muito bem por essa mercadoria, logo, é nosso direito inspeciona-la!
Bard estava ficando sem opções, pelo visto, não eram só os anões que dispunham de uma atitude tolamente obstinada.
— Flink não tinha me informado que vocês faziam esse tipo de revista... Desculpe, é que não estou acostumado...
— São ordens de nosso rei, tudo que entra em Mirkwood tem que ser fiscalizado.
Bard franziu o cenho.
— Sério? Ele teme que peixes possam ataca-lo, por acaso?
— Cuidado, humano. — O guarda elfo disse isso enquanto retirava em um movimento rápido e silencioso a espada élfica da bainha — Não ouse desrespeitar o nosso rei, principalmente pisando nas terras de Mirkwood!
— Tecnicamente não estou "pisando" nas terras, já que ainda estou no barco.
O elfo olhou para o seu jovem companheiro, confuso.
— Ele se acha engraçado... Creio eu. — Sussurrou o mais novo para o seu superior.
— Mortais tolos.
Bard rolou os olhos. As coisas não estavam saindo como planejava. Não queria ter que se utilizar da força para adentrar na fronteira. Sim, podia estar um pouco enferrujado em suas habilidades de luta, consequência das longas horas de trabalho burocrático de ser um rei, mas podia distraí-los enquanto a dita "mercadoria" escapasse. Mirou de relance para o canto do barco, onde um grande saco vazio servia de esconderijo para Drogo, e o hobbit observava toda a cena apreensivo. Bilbo provavelmente iria mata-lo se algo de ruim acontecesse a seu primo e também sobrinhos... Mas estava vendo que as opções estavam se eliminando, restando, tão somente, a possibilidade de forçar a entrada dos anões ocultos em Mirkwood e rezar para que tudo ocorresse bem a partir daí. Já estava prestes a pegar a sua espada, oculta por seu longo sobretudo de couro quando um terceiro elfo apareceu - ou melhor: elfa.
— O que vocês estão fazendo? — Questionou a mulher — O carregamento já devia ter chegado a cozinha real uma hora atrás!
— Lady Tauriel, — O jovem elfo fez uma pequena reverência, que foi também mimetizada pelo o outro guarda com certa relutância — Estamos fazendo a inspeção, como as ordens proferidas por nosso rei.
A elfa de cabelos acobreados soltou um suspiro que retirou uma mecha rebelde de sua testa.
— Tenho certeza que Lord Thranduil não estava sendo tão específico assim, afinal, o carregamento de pescado, até a semana passada, estava adentrando em Mirkwood sem tanta burocracia. Já se passaram decádas desde que elfos e humanos iniciaram esse simples comércio-
— Vossa majestade tem seus motivos, Tauriel! — Cortou o elfo mais velho — Ele deseja nos proteger. Sendo tão próxima ao nosso rei, você, mais do que ninguém, deveria apoiar as decisões daquele que a adotou como filha.
Bard pôde ver a fúria dominar a elfa, mas esta conseguiu disfarçar muito bem pois deu um formoso sorriso.
— Então, se parece entender tão bem os motivos de nosso rei, acho que poderia você mesmo relatar a ele como um carregamento de pescado apodreceu e que o jantar de vossa majestade deve ser substituído por algo menos digno do seu refinado paladar.
Ao contrário de Tauriel, o guarda não foi nem um pouco capaz de esconder sua raiva, e a cor rubra se propagou pela pele alva - algo que Bard não estava acostumado a ver em um elfo, sem dúvida esta se entretendo muito com aquele pequeno conflito.
— Devemos estar nos preocupado com o avanço das aranhas, a presença de orcs em nossas fronteiras e não com peixes! Saibamos interpretar as ordens. Vossa Majestade Thranduil deseja proteger nosso reino de ameaças estrangeiras. Sinceramente, não vejo como um simples barqueiro e seu usual carregamento de peixe pode ser classificado como "ameaça".
Aquilo foi um verdadeiro soco nos estômagos dos guardas elfos, e ambos pareciam desconfortáveis e meio embaraçados com suas atitudes. Bard soltou um assobio de admiração, mas a sua ação foi interrompida com o olhar crítico lançado a si pela elfa.
— V-você pode passar, humano. — Anunciou, por fim, o guarda mais jovem. Bard cantou vitória internamente; parte do plano estava concluído.
— Irei acompanha-lo até o porto para que faça o descarregamento o mais rápido possível. — Declarou Tauriel — Assim, eu mesmo irei avaliar se eres de fato uma ameaça ou não. Sou uma das melhores guerreiras deste reino, humano, acho melhor que dose bem seus atos ao meu lado.
— Sim, senhora. — Bard assentiu, sentindo vontade de bater continência para aquela poderosa mulher, mas temeu que aquela ação fosse mal vista pela a Lady Tauriel.
Os guardas deram singelas reverências e sumiram, novamente, nas folhagens. Tauriel saltou para o barco e este nem ao menos se mexeu com o aumento de peso. Na verdade, era como se nada fosse de fato adicionado; a graça e leveza dos elfos eram surpreendentes. Bard começou a guiar a embarcação pelo rio. A copa das árvores centenárias praticamente cobriam o braço d'água, fazendo um túnel formidável de galhos e folhas; era algo natural, o rei humano sabia, porém dava uma falsa ilusão que fora forjado por mãos inteligentes. Talvez os elfos tenham se comunicado com as árvores e as convencido a fazer tamanha obra... Quem sabe?
— A florestas tem ouvidos. — Sussurrou Tauriel ao seu lado. Podia-se ver o quão tensa a garota estava, mirando as margens do rio com desconfiança — Iremos parar em uma pequena baía antes do porto principal. Existe uma trilha pouco usada, ela guiará os anões até o palácio, mais precisamente, a parte dos aposentos onde se encontra Legolas.
— Perfeito. Mas, me diga, como vai o nosso Lorde elfo Elrond? Está tendo sucesso em sua investida romântica?
Tauriel deu um tímido sorriso.
— Eu não sei ao certo, tive que sair rapidamente para poder interceptar o barco.
Bard ficou decepcionado. Estava bastante curioso em relação a esse fato - não que fosse fofoqueiro, não! Só que um rei tem direito de ter seus hobbies.

Os dois reis sob a MontanhaOnde histórias criam vida. Descubra agora