Peixes e mais peixes

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As margens do Lago Comprido, formado pela confluência do Rio Corrente advindo da Montanha Solitária e do Rio da Floresta, este último oriundo de Mirkwood, se tornavam interessantes de ver; porque mesmo sendo rios de nações rivais, suas águas estavam unidas formando uma imensa fonte de sustento - talvez fosse uma forma da natureza ensinar aos habitantes da Terra Média, que mesmo as diferenças que tanto eram sobressaltadas, eram superficiais e que no íntimo de todos os seres, havia uma igualdade. Talvez Fili estivesse filosofando demais sobre aquela paisagem, ou talvez as palavras do Mago Cinzento ditas na cerimônia de casamento de Thorin e Bilbo estivessem reverberando em sua mente: o mundo estava entrando em uma nova era onde conceitos antigos seriam renovados; era a grande mudança prevista por Gandalf... Quem sabe isso significasse que velhos preconceitos seriam esquecidos e novas uniões poderiam ser feitas. União, por exemplo, entre um anão e um elfo.
E pensar que todo esse pensamento profundo estava sendo produzido enquanto estava observando lago por uma fresta de seu barril. Podia ouvir os resmungos de seus companheiros nos barris próximos e tentava ignorá-los, afinal, não era tão desconfortável assim.
— Chegamos! — Anunciou Drogo, que ficara fora. Não era necessário o hobbit se esconder pois ele não era ameça nenhuma aos elfos; na verdade, pelo visto, aquela raça diminuta parecia encantar os "orelhudos". Fili se ajeitou, com certa dificuldade, em seu barril, e pôde ver com nitidez que realmente tinha alcançado uma espécie de porto abandonado. Havia um barco ancorado- não... Na verdade eram dois! O que aquilo significava? O plano consistia em Bard levá-los para o reino elfo, logo só devia existir um barco...
— Ah! Finalmente! Já estava ficando preocupado com a demora! — Falou um homem que saltou de um dos barcos e se aproximou da comitiva élfica. Usava uma roupa meio desbotada e até rasgada em alguns cantos, a barba estava por fazer e ocultava parcialmente o seu rosto; para muitos, seria dificil acreditar que ali estava o rei de Dale — E onde estão os outros?
— Você diz a nossa "mercadoria especial"? Estão devidamente armazenados! — Fili pôde ouvir a voz de Elladan, mas não podia vê-lo. Bem que já imaginava a cara que elfo devia estar fazendo, provavelmente apontando com desdém para os barris na parte de trás da carroça conduzida pelo jovem elfo de Valfenda— Mas não se importe com o mal cheiro, creio que alguns dos produtos devem estar passados, sabe? Isso que dá, comprar coisa de Erebor...
— Elladan! — Reclamou Drogo em um sussurro.
— O que disse, comedor de folhas? — Alguém gritou em fúria, provavelmente Bofur. Os outros barris se remexeram, mostrando a fúria contida dos anões engarrafados.
Bard deu uma gargalhada o que foi uma péssima escolha a se fazer, tendo em vista que só pioraria ainda mais a situação.
— Se meus companheiros da Montanha Solitária já estão reclamando deste jeito por estarem em barris, imagine quando souberem do que teremos que fazer para adentrar na fronteira de Mirkwood! — O humano continuou a rir, agora mais baixo, talvez só ele estivesse entendendo a piada.
— Como assim? — Fili se erguou do barril para, por fim, encarar o outro rei.
— Nobre príncipe, achas mesmo que barris sem nenhum produto dentro irão passar pela inspeção élfica? — Inqueriu Bard, dando uma piscadela divertida.
— O que ele quer dizer com isso? — Agora era a vez de Kili aparecer, saiado de seu barril. Logo todos os outros anões saíram de seus esconderijos expondo em sua faces um misto de curiosidade e apreensão.
— Oh! Vocês vão logo descobrir. Agora, lembrem-se, isso tudo é por uma boa causa.
— Você parece se divertir muito com isso... — Resmungou o príncipe herdeiro.
— Ora, lógico que não. — Bard deu os ombros, mas havia um sorriso em seu rosto que indicava o sentido contrário de sua negação.
— Gostei desse humano. Ele tem um bom senso de humor! — Declarou Elladan subitamente. Elrond apenas suspirou e massageou a testa, talvez já prevendo os problemas seguintes. Drogo também compartilhava da mesma preocupação.

***

Peixes.
Era essa a ideia de Bard para os "ocultar". Deveriam encher os barris de peixes e lógico que os anões devem estar dentro para que isso aconteça. A pergunta derradeira seria: como fariam isso?
— Já basta! — Bradou Nori — Aceitamos viajar no barril, mas ter que compartilhar o mesmo com essas coisas fedorentas, isso sim seria uma afronta!
— Eu não vejo o mestre peixe se opor tanto a essa situação, já que ele também irá sofrer muito com o cheiro de inhaca de barba suja. — Falou Elladan segurando um dos peixes — Eu realmente sinto muito, mestre peixe. Deve ser um martírio compartir um espaço tão aperto com seres que pouco contado devem ter com um bom banho.
— Elladan! — Interpós Elrond, mas antes que o lord elfo pudesse fazer algo, um peixe foi lançado e acertou o rosto de seu filho.
— Q-quem foi? Quem ousou jogar esse peixe podre em mim? — Elladan praticamente chiou de raiva. Kili assobiava e parecia muito interessado em inspecionar as suas unhas. Drogo levou a mão a boca, escondendo um sorriso que de forma rebelde se formou em seus lábios. Lógico que seu amante tinha que começar uma briga com elfo tagarela. Elladan não iria se deixar humilhar daquela maneira sem antes lutar. Pegou a sua arma - a cauda de algum peixe - e se preparou para lançar, mas seu ato foi interrompido por uma mão que segurou o seu pulso
— Meu peixe é bem fresco, sabiam? E tampouco são brinquedos para crianças! — Um velho que parecia ser o responsável por trazer todo aquele pescado e estava auxiliando em colocar o mesmo nos barris, repreendeu o elfo e retirou o peixe de suas mãos. Este humano, apesar da evidente idade, tinha braços ainda fortes, talvez resultantes de anos dedicando a pesca no lago, puxando as redes e remando e conduzindo o velho barco.
— O velho Flink aqui, — Disse Bard, dando um leve tapa no ombro do pescador — foi quem me ensinou tudo o que sei sobre barcos, ele me acolheu como seu aprendiz depois que meu pais faleceram - o que me deixou órfão e desamparado. Uma pessoa de minha total confiança, além disso, é o responsável por comercializar com os elfos o pescado... Sim, os elfos podem ser vegetarianos, mas eles ainda comem carne de peixe, mesmo que em pequenas quantidades - e Flink é o único fornecedor!
— Melhor dizer "era", já que depois deste meu envolvimento é bem provável que Mirkwood não queira mais fazer negócios comigo. — Resmungou Flink.
— Isso só ocorrera se o plano falhar. Pretendemos entrar e sair do reino elfo sem causar conflitos. — Informou Elrond.
— Mas para isso ocorrer... — Bard apontou para o barril e para os anões — Vocês devem aceitar o seu destino atual. — Acrescentou com um sorriso. Sem dúvida, Bard estava se divertindo.
Fili soltou um longo suspiro. Como líder, teria que tomar a iniciativa, porém ainda estava meio receoso... Como Legolas irá reagir no reencontro, com aquele odor de peixe impregnando todo o seu corpo?
— Você ainda vai me beijar, mesmo que fique fedendo a peixe? — Fili olhou para o lado, viu o seu irmão falando com Drogo. Havia um tom desesperado em sua voz.
— Eu nem devia te beijar estando limpo ou sujo, afinal, ainda não te perdoei pelo o modo que você agiu diante de nossa família. — O hobbit cruzou os braços diante do peito. Kili estava em um estado de aflição pura naquele momento.
— M-mas, mas... — O príncipe de Erebor sacudiu a cabeça e depois continuou a falar, de forma mais controlada — Eu só fiz aquilo para te proteger. Sei que você ficou chateado, mas eu não podia deixar de tentar. Na última vez em que nos encontramos em perigo, não pude fazer muita coisa para te proteger... Eu não queria correr o risco de- Não posso te perder. Então, irei me aproveitar de toda aportunidade que tenho para te proteger, melhor você se acostumar com essa realidade!
Kili, ao fim de seu discurso fechou os olhos e se encolheu, provavelmente esperando o contra-ataque do seu amante. Ao invés de palavras de fúria, fora surpreendido por um toque delicado em sua bochecha. Abriu lentamente seus olhos para dar de encontro com os grandes e brilhantes olhos azul-celeste de Drogo.
— Pois eu digo o mesmo. Melhor se acostumar com a realidade, pois eu sempre estarei ao seu lado, nos melhores e nos piores momentos. — Dito isso, deu um beijo curto mas caloroso nos lábios de seu tolo anão.
Fili sorriu. Talvez não devesse se preocupar tanto, afinal...
— Vamos, pessoal! Entrem nos barris. Não temos muito tempo! — Anunciou Bard. Os anões que estavam fora dos barris olharam para os mesmos com nojo. Haviam sido enchidos pela a metade, depois que os anões adentrassem, mais peixe seria jogado, a fim de cobri-los.
— Rumo a Mirkwood! — Bradou Fili adentrando em seu barril, sua atitude era como tivesse adentrando em uma guerra.
Os outros, relutantes e proferindo palavrões, seguiram o seu líder e entraram nos barris. Flink retornou o seu trabalho de preencher com peixe o espaço que restava.
— Leve-os com segurança a Mirkwood. — Pediu Elrond ao rei humano.
— Não se preocupe, lorde elfo. Irei cumprir a minha parte do plano, mas você também tem que cumprir a sua, não é?
O elfo assentiu, solene. De fato, tudo só daria certo se conseguisse resolver um problema que criou desde a época de sua juventude. Será que ainda teria a possibilidade de curar feridas de tantos anos? Será que poderia ter esperança de recuperar o que perdeu por sua insensatez?
Elrond não disse mais nada, subiu em seu cavalo. Elladan logo o seguiu, buscando seu próprio corsel, já que até o momento estava auxiliando na guia da carroça.
Drogo os viu partir. Seu próprio coração estava acelerado. Agora, de fato, iria se iniciar o plano.

Os dois reis sob a MontanhaOnde histórias criam vida. Descubra agora