A primeira madrugada horrível

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– Eu tenho certeza que você vai amar o meu presente, muito mais do que dos outro. - Thomas falou me entregando um embrulho e me fazendo rir fracamente. Fazia mais ou menos meia hora que eu tinha acordado com confusão e terror após os primeiros pesadelos. Na verdade, era mais uma memória... estava sonhando com a noite em que tudo aconteceu. 

 Acordei com minha mãe me chamando e sentei na cama com um pulo, e ela me acalmou durante os primeiros minutos que eu chorei. Eu suava e tremia. Agora, já era madrugada e eu não conseguia dormir de novo, então Benjamim propôs que eu abrisse os presentes para me distrair. Eu pequei o embrulho e comecei a abrir, abrindo um sorriso instintivamente. - Agora você poder te enfeitar! - Ele bateu palminhas empolgado. Tirei os estojos de maquiagem, olhando os produtos de skin care, os rímeis, batons, blush, iluminadores e tudo que alguém precisava para uma boa maquiagem. - Você gostava tanto de se arrumar amiga... - Ele disse nostálgico e eu sorri fracamente. 

- É... é verdade! - Respondi e guardei tudo com carinho. - Obrigada! Prometo que vou deixar você me usar de cobaia. - Ele festejou e minha mãe riu. 

- Quer abrir mais alguns? - Ben perguntou e eu assenti que sim. Ele colocou alguns embrulhos na minha cama e sentou na ponta. Eu continuava tremendo, e ainda suava, mas eu sentia frio. Passei a coberta por mim tentando me esquentar, mas eu já conseguia sentir o desespero se formando de mim apenas aguardando o momento de explodir. Thomas me deu um copo de água e bebi inteiro, logo começando a abrir os outros embrulhos. 

- Roupas que não são pretas! - Minha mãe sorriu e eu ri fracamente. 

- Não tem problema nenhum com o preto. - Eu falei implicante e ela abriu um sorriso. 

- É claro que não... mas o sentido de luto que você deu a ele tem! - Eu a olhei e ela sorriu amorosa. Eu suspirei. 

- É... talvez seja hora de eu "aposentar" a cor por esse motivo. - Todos sorriram e continuei abrindo os outros e mostrando para eles, me sentindo feliz a cada coisinha que foi pensado pra mim e percebendo que meus amigos ainda me conheciam. Em certo momento, a angústia me dominou e eu deixei de lado os presentes, me levantando e começando a andar pelo quarto e passar as mãos pelos cabelos, puxando. - Não, não, não, não....

- Ta tudo bem! Ta tudo bem! - Minha mãe falou e eu neguei. 

- Não, não ta.... - Me senti enjoada de repente e tive vontade de vomitar. - Eu quero vomitar... 

- Não, você não pode! - Benjamim falando vindo até mim. 

- Benjamim por favor... - Eu pedi, a ânsia aumentando. 

- Não Lô, você não pode tirar o remédio do seu corpo senão vai piorar! - Merda! Merda, merda, merdaaaaa. Respirei fundo tentando fazer a vontade passar e continuando a andar pelo quarto. Fiquei assim por uns dez minutos até que o enjoo passou e deitei na cama me sentindo cansada, mas algum tempo depois a dor física se apossou do meu corpo todo. Fiquei em posição fetal e puxei a coberta por cima de mim, as lágrimas rolando sozinhas. Eu conseguia sentir cada centímetro do meu corpo dolorido, cada ponto em desespero e implorando pelas drogas, qualquer coisa, qualquer um! Apertei as cobertas entre os meus dedos e chorei mais, angustiada com tudo aquilo. 

- Mãe... mãe por favor me da alguma coisa mãe... eu juro que é a última vez. - Implorei. O desespero... minha cabeça me traindo ao me lembrar da sensação boa no segundo em que eu injetava algo no meu corpo ou usava. 

- Minha filha, calma. - Ela pediu e eu me desesperei mais, gritando e chorando. 

- Nãooooooo mãe... não. - Me debati na cama e Thomas me segurou pelos ombros com força. - Não, não... por favor. Faz parar... faz essa dor parar. - Implorei e me sentei na cama chorando mais e abraçando meus joelhos. Benjamim passou o braço por mim me abraçando e eu Thomas me deixou segurar sua mão e apertar enquanto eu chorava. Minha mãe ficou passando a mão na minha cabeça e cantando baixinho. Me concentrei em sua voz e aos poucos percebi os espasmos no meu corpo começarem a cessar, assim como a tremedeira e o suor e o desespero cessou. Minha boca estava seca e eu estava cansada... a noite começava a dar lugar para a luz do lado de fora e minha mãe me deu um copo de água que eu bebi e deitei na cama em seguida. Thomas me cobriu novamente e Benjamim se ajoelhou ao lado da cama passando um pano no meu rosto, e me dando um beijo na testa, antes de eu adormecer ainda ouvindo a minha mãe cantar. 

Benjamim: 

- Acho que agora ela dormiu de vez. - Falei depois de alguns minutos que a respiração de Lorenna havia normalizado e Thomas e Leila suspiraram aliviados. Não sei se Lorenna tinha noção do tempo naquele momento, mas ela ficou horas em estado de suar, tremer, ter espasmos e se debater na cama, além de implorar pelas drogas e chorar. Ver ela daquela forma acabou comigo e tudo que eu conseguia pensar era como o vício, acabava com a razão de alguém! Imploramos para que Leila fosse se deitar e tentar descansar e que qualquer problema a chamávamos, já que ela iria trabalhar ainda logo pela manhã, e depois de muita relutância, ela foi. Thomas se deitou exausto no colchão mas não fechou os olhos, só olhando para o teto, me sentei no colchão ao lado. 

- Amanda mistura bastante o português brasileiro com o de Portugal, né?! - Thomas riu fracamente e me olhou. 

– Sim, ela mora aqui a alguns anos, mas ama o português deles. Tanto é que ela nunca perdeu o sotaque, só que ela fala bastante o nosso. - Thomas respondeu.

– Pra entrar no exército não tem que ser brasileiro? - Perguntei confuso. 

– E ela é. Ela e os gêmeos nasceram aqui, passaram a infância e uma parte da adolescência lá e depois voltaram pra estudar, e passaram no colégio militar. 

- Ah! - Respondi compreendendo e ficamos quietos.

- Você acha que ela vai ficar assim muito tempo? - Thomas perguntou depois de um tempo e eu respirei fundo, afundando no colchão. 

- Tudo depende dela! - Respondi simplesmente e ele assentiu concordando. 

Anjo PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora