Pavel e Mikhail acordaram-se, já pela manhã, com os gritos de Natasha Alexandrovna.
A senhora da casa era alta e possuía uma voz muito forte. Vestia o preto do luto que combinava com seus cabelos castanhos e que destacava as olheiras formadas embaixo dos olhos tristes. As cãs ainda não se mostravam nas mechas bem presas em um coque e, no rosto, leves marcas de expressão denunciavam a idade de Karevna, que já chegava a sua quarta década.
Os aposentos de Petyr Andreyevitch se encheram com sua presença furiosa no momento em que, acompanhada da jovem preceptora de Mikha, a mulher os encontrara e passara a dizer o quão absurdo tudo aquilo era.
A mocinha, muito loira e muito pálida, seguindo as ordens da patroa, direcionou-se ao camponês de trejeitos assustados e o segurou pela cabeleira lisa e armada. Já Natasha, rumou a atenção ao filho e o segurou pelo braço. Ambos foram praticamente arrastado pelos corredores da casa.
— Podia ser um ladrãozinho ou um desses terroristas! — Karevna repetia para o filho — Podia ter matado a todos nós enquanto dormíamos! Ateado fogo na casa...
Os meninos caíram em um pranto revolto e com as mesmas forças do encontro anterior, lutaram, sem sucesso, contra o ataque dos adultos. Separaram-se ao fim do corredor, quando a preceptora levou o camponês para a porta de saída e Natasha carregou o filho para o gabinete, onde se veria com a palmatória.
— Não tem vergonha? — a empregada reclamou ao camponês — preocupar sua mãe, coitada! Pois se eu tivesse você como filho já o teria deixado em algum canto... olhe que horror! Que horror! Nem nas crianças se pode confiar hoje em dia.
Pavel não respondia, apenas tentava se livrar do puxão de cabelos constante exercido por aquela moça.
Abriram-se as portas e nesse momento a preceptora passou a segurar o braço de Pasha, mas manteve as palavras de repreensão, citando as desgraças que sua fuga poderia ter causado.
Do lado de fora, após a soleira e os degraus que separavam o alicerce e a terra batida, se encontravam parados Tânia Kresnikovna e Rurik Fedorov.
A camponesa, ainda apagada pela presença inconveniente do moscovita, suspirou de alívio ao avistar a figura do filho. O procurava desde a chegada da noite, quando Dasha Kuznetsova batera a porta dizendo que Pavel sumira e que não houve jeito de encontra-lo pela floresta.
Rurik Fedorov irritou-se com a intromissão indireta do rapaz, mas por uma questão de suposta caridade, juntou-se a um pequeno grupo de buscas, formado por duas ou três senhoras, que passaram a percorrer os arredores da aldeia com tochas acesas, chamando para todas direções nome do rapazinho desaparecido.
Não houve resposta e com o cair da madrugada, reuniram-se na casa de Tânia. A situação acabara completamente com os planos do moscovita que mantinha-se ali por não haver outra possibilidade aquelas horas da noite.
Quando o dia raiou, as buscas recomeçaram, foram até a estrada e desta vez, receberam a dica de um caçador, que vira um menino adentrando os portões da casa Karev na tardinha anterior. Fedorov conseguiu a carruagem e durante todo o percurso, Tânia olhou em direção aos campos e floresta, a procura do filho.
Agora, já diante a residência dos patrões, descoberto todo o plano de Pavel Iurievitch, a mulher era dominada por um misto de alívio e raiva maternal.
Pasha encarou sua mãe com ares de pesar, como toda criança ao tentar se livrar de uma bronca. Kresnikovna, em silêncio, caminhou alguns passos em direção ao filho e o tomou pela mão. Agradeceu a preceptora timidamente. O rosto pálido da camponesa ganhou um tom avermelhado. Os olhos baixos diante a encarregada de Mikhail demonstravam uma submissão temerosa àquela família que tinha o poder de tirar-lhe o pouco que tinha.
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Um Conto do Leste
Historical FictionRussia, 1914, a revolução bate na porta e o pânico da Primeira Guerra Mundial se espalha por toda Europa. Neste cenário nasce uma improvável amizade entre Mikhail de oito anos, filho de uma família de aristocratas, e Pavel, um camponês da mesma idad...