Capítulo XII - A Morte não Discrimina (Parte 3)

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A primeira sensação consciente que atingiu Pavel Iurievitch foi o toque embaraçado que recebia em seus cabelos. Os olhos do rapaz mantiveram-se fechados, enquanto os dedos de Mikhail iam e voltavam nos fios tom de cobre, causando no receptor uma sensação preguiçosa de conforto.

Por mais que tentasse de todas as formas recapitular os eventos passados, Pasha não conseguia resgatar na memória o momento certo em que caiu no cochilo lacrimoso, porém tinha certeza de que deitou sua cabeça sobre os ombros do outro rapaz, e não sobre suas pernas como se encontrava naquele instante. Ainda assim, não podia negar que tê-las de travesseiro era mais confortável do que dormir sentado ou com o rosto encostado direto no chão.

Sem falar nos toques que continuava a receber em seus cabelos... poderia passar horas com os olhos fechados, sentindo a carícia que o acompanhou desde o momento em que os dois rapazes caíram em silêncio.

Ter contato físico com Mikhail era um pequeno vício que Pasha acreditava que não deveria ser alimentado, ainda mais daquela forma, onde sentia-se tão acuado pelo mundo, onde a simples proximidade com o outro e a sinceridade nas palavras ditas funcionavam da mesma maneira que um abrigo seguro durante um dilúvio.

Como consequência das lágrimas anteriores, seu peito parecia limpo, seus pulmões conseguiam captar o ar sem que a respiração pesasse como pedra, o vento leve de primavera que soprava o preenchia, adentrava os poros de sua pele, o banhava em um rio invisível e aliviava a dor da mente em carne viva.

Pela segunda vez naquele dia, Pasha abriu os olhos ao despertar do sono e teve como visão as orbes claras de Mikhail o velando. Não podia fazer outra coisa senão deixar que um sorriso agradecido nascesse em seus lábios, mesmo que Mikhail ainda conseguisse notar a tristeza, presente nos olhos castanhos cabisbaixos.

O mais velho dos dois esfregou o rosto sonolento com as mãos, no intuito de fazer com que o resquício do sono partisse e o deixasse analisar Mikha com mais precisão, com toda a atenção consciente que ele merecia.

Como não comparar o homem com o menino? Pasha continuava no dilema de avaliar na memória o rapaz que sempre aparentava ser mais velho do que realmente era... não só fisicamente... aqueles olhos sábios e doces caberiam muito bem em um homem idoso, não em um moço de dezoito anos. Além disso, sempre cabia a Mikha dar os conselhos e as broncas, pois parecia que, diferente de Pasha, o antigo aristocrata não se emaranhava na própria confusão.

Como detestava isso! Observa-lo crescer e se tornar cada dia mais... A palavra não apareceu, parte por medo, parte por renúncia da parte de Pavel em continuar a levar sua mente para aquele universo inexplorado.

— Sente-se melhor? — o mais novo perguntou.

Pavel não pode deixar de notar que mesmo a voz de Mikhail soava como algodão, tão leve e receptiva, como se não quisesse lhe ferir os ouvidos ou ofuscar o sopro do vento.

— Sim, eu me sinto melhor — respondeu — Por quanto tempo eu dormi?

A voz rouca e sonolenta de Pasha soou a Mikha como os ares de um amanhecer estival, pois o rapaz e sua estranha melancolia, naquele instante, combinavam com o frio agradável antes da soberania solar que queimava as nucas.

— Não sei ao certo, mas não foi muito tempo — respondeu Mikha — o sol ainda está alto no céu, e não há o que se preocupar.

Ele ainda continuava a acariciar os cabelos de Pasha, pois não recebeu nenhum pedido para que o toque cessasse e não pretendia deixar de decorar a textura das estranhas mechas indecisas. Suas pernas dormentes, certamente reclamariam no momento em que Mikhail as quisesse mover, bem como suas costas já se queixavam da posição contínua que manteve durante aquele tempo, ainda assim, tentava ignorar a série de incômodos e ajustar-se da forma que podia para manter a cabeça de Pasha em seu colo e seus dedos nos cabelos dele.

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