Diziam-se gloriosas palavras de ordem à multidão incontável de pessoas. Pavel notava a alegria dos camaradas que deslocavam-se ao seu lado, sempre em frente, acenando para o prédio, donde da sacada os líderes do partido bolchevique observavam o andamento do desfile popular.
Era a primeira vez que Pasha via tão de perto os mais famosos patrimônios arquitetônicos do país, dentre eles as famosas cúpulas de São Basílio. Pavel ouviu uma vez que o Czar Ivan teria cegado os arquitetos da catedral para que nunca mais projetassem algo tão belo. Se a cruel lenda era verdadeira ou não, o rapaz não sabia afirmar, no entanto era inegável a maravilha da construção em suas cores, geometrias e detalhes.
O Kremlin, gigantesco e com ares áureos, também se destacava na vista. O antigo palácio de Ivan, agora abrigava o governo soviete que trouxe a capital de volta para a cidade, junto a proposta de transformar Moscou em um modelo para o mundo: a "grande metrópole socialista".
As figuras, lá em sua sacada, acenavam de volta para a multidão: um punhado de homens e mulheres importantes no governo que postavam-se sorridentes e comemorativos.
Entre eles encontrava-se Joseph Stalin.
O líder da União Soviética ocupava um lugar de destaque entre os demais, e estranhamente, por vezes, parecia que ele acenava para alguém específico, como uma pintura antiga que segue as pessoas com os olhos pelos corredores escuros... Pasha estreitou os vistas, tentava fitar com melhor precisão a figura conhecida de retratos, mas não conseguia destinguir dali nada além de uma silhueta distante de um homem.
— Nasekomoyev está lá em cima... ele foi escolhido para representar o Comitê este ano. — relatou Mikhail.
Anya segurava o braço do marido, para que não se perdessem na multidão. Tatyana Mikhailovna encontrava-se sobre os ombros do pai e Piotr Mikhailovitch, já muito crescido para o colo, quase sumia em meio aos adultos. Anya o segurava pela mão com força, para que o rapazinho não inventasse de exercer seus já conhecidos hábitos teimosos.
Pasha, junto a família, deixou-se em um primeiro momento contagiar pela alegria geral que tomava conta das pessoas... apesar dos pesares, existia nele um certo orgulho de ter vivido os anos revolucionários. De outro lado, porém, o ressentimento perseguia seu interior. Lembrava-se da situação do campo, dos Kulaks queimando as plantações antes que as terras fossem desapropriadas, da aniquilação da vila, as prisões e todo o caos que presenciara.
Perguntava-se se aquele senhor que acenava para o povo sabia de todas aquelas coisas, se as ignorava, pois o boato que corria no campo era que outros implantavam as medidas quando Stalin se ausentava.
Pavel não acreditava muito nessa versão.
Entendia a ideia das desapropriações que marcaram o primeiro quinquênio: acabar com a propriedade privada, acabar com os camponeses que enriqueceram durante a N.E.P e passaram a explorar os trabalhadores como Pavel e sua mãe, no entanto, negar o fracasso e o caos causados por tal medida apenas para manter intacta a figura de um líder... isso era absurdo!
O pensamento subversivo se seguiu, sem nunca ser externado em seu semblante que imitava a alegria dos demais. Os trajes militares, que vestia para manter a aparência de um ex-soldado, lhe pesavam no corpo como se estivessem molhados.
Pasha considerou a figura de Lênin, exaltada nos discursos e erguida em diversos estandartes pelas pessoas. Não podia negar que, agora, vendo as coisas de um ponto mais crítico, até simpatizava com a figura do primeiro líder Bolchevique, pois lembrava-se de como eram cruéis os anos sob o domínio dos Karev, lembrava-se da miséria, das horas nas lavouras que, por vezes, ocupavam mais da metade de um dia e como algumas das medidas adotadas após a revolução melhoraram um pouco sua vida.
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Um Conto do Leste
Ficción históricaRussia, 1914, a revolução bate na porta e o pânico da Primeira Guerra Mundial se espalha por toda Europa. Neste cenário nasce uma improvável amizade entre Mikhail de oito anos, filho de uma família de aristocratas, e Pavel, um camponês da mesma idad...