Tânia Kresnikovna cruzou os braços diante ao peito e com ares pouco amigáveis, encarou Pavel, sentado, praticando aquele jogo irritante de equilíbrio em que se embalava perigosamente apoiando o peso nos dois pés traseiros da cadeira.
A senhora, durante o caminho de volta para casa, foi informada por um vizinho sobre a ausência dos dois rapazes nos trabalhos do dia e para Tânia, acostumada com as travessuras de seus meninos, não foi difícil deduzir que Pavel e Mikhail saíram por aí, para engajar-se em um de seus projetos aventureiros tidos por ela como absurdos.
Kresnikovna já havia preparado um sermão comum para as saídas inesperadas dos rapazes, no entanto, viu-se em desespero ao notar que apenas Pasha estava em casa e Mikhail permanecia sabe-se lá onde.
O sol estava prestes a se pôr, o que apenas agravou a preocupação de Tânia, que deveras tinha pânico do cenário noturno, além de reconhecer os perigos de se ficar na rua àquelas horas em tempos em que os animais estavam famintos após o inverno.
— Onde está Mikhail? Não o vi na horta e ele, obviamente, não está aqui — a senhora perguntou ao filho, enquanto Anya e Dasha, as convidadas para o jantar, deixavam seus cestos e casacos na entrada.
— E como a senhora espera que eu saiba? — Pavel arqueou a sobrancelha de forma um tanto insolente que lhe rendeu um leve tapa na orelha.
— Fale direito comigo... e se bem conheço vocês dois, andaram tramando alguma coisa. Não trabalharam o dia inteiro e suas botas estão sujas de lama, então, onde está Mikhail? Para onde vocês foram? — Tânia apertou um pouco os olhos e Pasha apenas baixou a cabeça sem responder.
— Pois deixe que passe por poucas e boas, Tânia... — Dasha começou, como sempre, soltando suas palavras ácidas, mais vindas de uma preocupação disfarçada do que de uma real forma desprezo — esses garotos...! — virou-se em direção a Pavel — Se vocês fossem meus filhos, rapaz, agora estariam em couro vivo de tanto apanhar. Então, agradeça pela mãe que tem e faça o que ela diz antes que eu mesma busque uma vara no mato.
— Era só o que me faltava, ter de castigar dois homens feitos que já cortam as barbas — disse Tânia indignada — Onde está seu irmão, Pavel?
— Deve estar a caminho, não é necessário que se preocupe — respondeu Pasha — Ele faz as besteiras e eu que tenho de ouvir!
Anya escutava tudo, muito quieta e com uma expressão indecifrável... Pavel a odiou por não estar se remoendo em preocupação, por sequer aparentar medo diante a demora de Mikhail.
— O que devo fazer, Dasha? Sabe-se lá o que não aconteceu com esse garoto por aí... pelos céus...
— Eu já disse, deixe que tome um susto, para aprender. — a senhora deu de ombros.
Pasha suspirou pesadamente, mas continuou sem dizer uma palavra. Mikha estava bem, ao menos até onde ele sabia... provavelmente precisava de algum tempo sozinho com suas memórias, ou então refletindo sobre o "equívoco" daquela tarde...
Levou as mãos até o lábio inferior... o rapaz quase podia sentir ali um resquício da pressão da boca de Mikha contra a sua.
Não! Ele se recusava a pensar sobre aquilo, deveria enterrar a recordação e fingir que nunca aconteceu, era o melhor a fazer diante todos os problemas que poderiam aparecer caso tais tipos de atos se tornassem contínuos.
Era errado! Pensava, Mikhail era seu amigo, seu melhor e único amigo... Pasha sentiu o peito se apertar, talvez agora o tivesse perdido para sempre.
Lá estava a insegurança incômoda listando em sua cabeça todos os motivos para esquecer o beijo e guardá-lo na caixa das memórias que nunca deveria visitar novamente... mas era impossível.
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Um Conto do Leste
Historical FictionRussia, 1914, a revolução bate na porta e o pânico da Primeira Guerra Mundial se espalha por toda Europa. Neste cenário nasce uma improvável amizade entre Mikhail de oito anos, filho de uma família de aristocratas, e Pavel, um camponês da mesma idad...