Capítulo XIII: O Espirito das Escadas (Parte 3)

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Diante à mesma noite, Gregor chegava em casa, bem a tempo de escapar do caos climático e da falta de energia elétrica. O dia de trabalho fora longo e o oficial teve de permanecer mais tempo do que pretendia em seu gabinete, assinando papéis e atendendo um ou outro telefonema inadiável. Ao fim, quando notou que o céu preparava uma tempestade, considerou mesmo acomodar-se no sofá de seu gabinete e passar a noite por ali, ou então, procurar por algum conhecido que morasse pelas proximidades e que aceitasse hospedá-lo durante a madrugada.

Acabou por conseguir uma carona com um camarada que ia para até as residências oficiais. Gregor também deveria viver no prédio do comitê, no entanto, não admirava o luxo. As escadarias majestosas, os apartamentos com cômodos demais para um único homem habitar, a grandeza e a importância do prédio na silhueta da cidade... por algum motivo aquele conjunto de coisas entristecia Gregor, quase o deixavam nervoso, exposto... melhor seu canto, na residência militar. Dava-se bem com os vizinhos, mantinha algumas regalias e restava-lhe, ao menos no que acreditava, um pouco de privacidade.

A primeira vista as abdicações de Nasekomoyev pareciam inofensivas: um homem que não se intusiasmava com carros modernos e nem de grandes apartamentos. Soava, inclusive, condizente com alguém que preferiu se isolar nas minas de carvão, em um fim de mundo ao invés de assumir um posto importante de verdade, como lhe foi oferecido ainda nos anos de Lenin.

Mas nada mais era visto como inofensivo.

Gregor e o camarada conversaram um pouco durante o turbulento trajeto (o vento começava a soprar com mais força). Trataram de temas banais que não comprometiam nenhuma parte do diálogo (um cuidado que naqueles tempos se fazia fundamental). Nasekomoyev, em sua falta de contato com as pessoas, se viu envolto pela rara conversa e agradou-lhe fugir um pouco do silêncio que invadia seu mundo depois que Katherina levou toda a alegria para Leningrado.

— Não é necessário que me deixe diante ao prédio. Sei que é fora de rumo e terá de fazer uma enorme volta para seguir seu trajeto. Desembarcarei na esquina, de lá, vou andando. Não é longe! — Gregor comentou de forma simpática, como sempre, naquele volume acidentalmente mais alto do que o esperado.

— Mas começou a nevar, camarada...

— Não há problemas, como deve imaginar, já vivi situações piores do que uma nevasca.

E assim, Gregor Dmitrievitch desembarcou na esquina de seu prédio. Prestou um breve agradecimento ao motorista que respondeu com a mesma brevidade. Seguiram, então, seus rumos bipartidos.

Após isso, Nasekomoyev tratou de agir e, pela rua deserta, tomou o caminho de casa.

Gregor enfiou o nariz na gola do casaco, deixando apenas os olhos expostos, uma vez que os ouvidos e a cabeça estavam muito bem protegidos pelo chapéu de pele. Diferente de muitos, o oficial possuía agasalhos suficientes para sobreviver a qualquer terrível inverno que viesse a cair sobre Moscou, no entanto, poderia portar sobre os ombros todas as peles da Rússia e a tempestade ainda lhe causaria arrepios.

De certa forma, o homem admirava a beleza tumultuada da nevasca... o uivar do vento, os flocos arrastados de um lado para o outro, as calçadas que ganhavam um tapete branco, a queda da temperatura... apenas preferia observar tudo aquilo através da janela de seu apartamento, com uma tigela de sopa de ervilhas quente nas mãos.

Gregor apurou o passo, na tentativa de evitar o incômodo de acabar no escuro. A luz vinda dos postes começou a falhar causando breves segundos de completo breu, onde era impossível distinguir um palmo diante aos olhos.

Andava de sua forma desajeitada, no entanto, não demorou muito para encontrar a fachada de seu prédio. Logo iria até a cozinha, serviria-se de sopa e esconderia-se em seu apartamento. Na comodidade do lar se livraria dos agasalhos, se alimentaria e acenderia um cigarro por fim, antes de dormir.

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