Capítulo V: Os Ventos de um Novo Mundo (Parte 3)

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O quarto de Nikítin consistia em um pequeno vão na casa minúscula. Ali, havia apenas uma cama e uma quantidade numerosa de páginas soltas, espalhadas pelos cantos: abandonadas, com textos pela metade.

Klaus Konstantinovitch era o tipo de pessoa que carregava o mundo nos pensamentos, mas não conseguia expressar suas ideias para além de meia página. Tentava imitar seus ídolos filosóficos e criar seu código de visão de mundo, mas sempre perdia-se na vastidão de pensamentos e os manuscritos se misturavam. Um rascunho contendo reflexões sobre utopia socialista, por exemplo, encontrava-se na mesma página que uma frase perdida sobre a falência do fígado em pessoas que ingerem álcool constantemente.

Pavel achou graça em tal característica enquanto, brevemente, passava os olhos pelas páginas ao seu alcance naqueles primeiros momentos.

Com exceção das cartas para Mikhail em outros tempos, Pasha raramente escrevia, ainda mais com aqueles propósitos de deixar algo registrado no mundo, sem que houvesse um leitor específico.

O hábito pertencia ao futuro: quando Pavel Iurievitch desaprenderia a viver sem carregar consigo um bloco de notas.

— Não perca tempo com essas bobagens... são incompreensíveis até para mim. — comentou Nikítin ao passo que sentava-se na cama.

Ao ouvir isso, Pavel deixou de lado a página sobre utopia e cirrose e com isso, aos poucos, o sorriso em seu rosto desapareceu.

Voltou-se ao seu anfitrião e recobrou o motivo real para estar ali, no quarto do homem com quem flertou por quatro noites o mesmo homem que acabara de beijar, na sala de estar minúscula da casa.

O nervosismo reapareceu.

Estava no quarto de alguém e o propósito para sua presença ali era claro, óbvio, não havia porque fingir que não entendia, não havia porque fingir que as intenções não pairavam no ambiente.

Pasha queria tomar uma atitude, mas via-se inseguro, sem saber ao certo quais passos seguir, sem saber ao certo como agir mediante a inexperiência e o receio latente em levar aquilo adiante.

— Se aproxime... — Nikítin instruiu, com a falta de reação do visitante estupefato.

Pavel obedeceu, aliviado por receber coordenadas em meio a confusão de hipóteses que temia transformar em atos errôneos ou não condizentes com os que pedia a situação.

— Venha... — pediu Klaus ao passo que colocava as mãos nos quadris alheios, quase como um pedido para que Pasha se pusesse em seu colo.

Novamente, a sugestão do anfitrião foi acatada.

Em pouco momentos Pavel, ajoelhado na cama com Nikítin entre suas pernas, experimentava outra vez o beijo intenso recém aprendido. Sentia a textura da barba, o calor do abraço (ato lascivo que os mantinha pressionados), as mãos de Klaus que agora abriam os botões da camisa e o desejo, em sua forma mais física, da maneira mais íntima.

O visitante, aos poucos, passou a responder aos seus instintos e parou de impor dúvidas a respeito de uma possível desistência. Seu corpo pedia para que não interrompesse, para que se mantivesse ali sobre a influência dos toques, dos beijos, dos apertos...

O último resquício de dúvida partiu poucos segundos depois, quando uma das adoradas mãos macias de Klaus passou a exercer em Pavel um toque desapressado e quase torturante... depois de tantos anos contendo os desejos, acabar com o que acontecia ali seria para Pasha o pior dos crimes.

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— As normas e convenções sociais foram criadas por pessoas ricas, em seus palácios, subjugando para manter o poder... A sociedade tradicional é uma prisão, feita para manter as pessoas em uma gaiola que não existe... quantos homens e mulheres sofreram nossos dilemas? E por que? Porque os poderosos decidiram que assim seria... as regras humanas da sociedade, por vezes, se tornam uma aberração... a natureza não nos fez defeituosos, Pasha... a Natureza nunca erra, basta ver o equilíbrio geral do mundo. Foi a parcela opressora da humanidade, o clero, os nobres, os reis... foram eles que trancafiaram os oprimidos dentro de jaulas invisíveis, para que ninguém se levantasse. A única coisa que você pode fazer para se libertar é seguir a sua natureza, para além de com quem você durma... mas em todo tipo de situação.

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