Naquela manhã de verão, logo após acordar, Mikhail pegou uma bacia com água, colocou-a diante a um espelho, caçou a navalha na gaveta de um móvel e começou a raspar a barba que já distanciava-se demasiadamente dos ossos de seu maxilar.
Passou a lâmina, primeiro pela região da face e deixou o bigode sob o nariz, para avaliar se valia a pena ou não, seguir a moda adotada pelos outros camaradas.
— Pelos céus, Mikhail, trate de tirar este bigode! Fica horrível em você. — Disse Anya, que, ainda com roupas de dormir, passava pela sala para buscar seu uniforme, pendurado na janela.
O rapaz sorriu com o tom da esposa e considerou adotar o detalhe apenas como afronta. Aproximou um pouco seu rosto do espelho, para avaliar melhor a aparência, ajeitou os pelos sob o nariz e riu de si mesmo. A senhora estava certa... o bigode não combinava com suas feições.
Mikhail já preparava-se para passar a navalha e acabar com o restante da barba, quando a luz bateu no topo de sua cabeça e ele notou que ali nascia uma mecha precoce de cabelos brancos.
O tempo passava.
Ignorou, em um primeiro momento, o detalhe. Voltou-se a face e limpou-a completamente, mas assim que Anya retornou a sala, já vestida com os trajes de trabalho, Mikhail a chamou para perto e abaixou-se um pouco, para mostrar a esposa os fios grisalhos intrusos.
Conteve o instinto de dizer que Andrey Karev também adquiriu cãs muito cedo e guardou as origens genealógicas do evento, escondendo-as atrás de um comentário bem-humorado a respeito da idade.
— Não seja tolo — Respondeu Anya, em meio a uma rara risada breve — Termine de se arrumar. Vou acordar as crianças, antes de ir ajudar a preparar o desjejum.
Mikha concordou e seguiu a rotina como sempre, aprontou-se e esperou os filhos, então, foram todos para a cozinha, se juntar aos vizinhos.
Quando chegaram, Pavel já se encontrava em uma das duas mesas. Postava-se perto de uma janela, escorado contra a parede branca e devorava um pedaço de pão, preparado por Anya no dia anterior.
Mikha constatou os ares distraídos em Pasha, ares esses que provinham da sonolência resistente dos primeiros minutos após acordar. Rumou na direção alheia e sentou-se diante ao outro, seguindo o ato de um cumprimento matinal descontraído.
Não demorou muito para Anya, Pétia e Taneshka juntarem-se ao par.
— Mikha já lhe mostrou o que ele descobriu essa manhã? — Anya comentou lá pelas tantas, dirigindo-se ao cunhado com casualidade.
Ao ouvir isso, Pavel configurou a expressão de suas sobrancelhas, demonstrando surpresa. Os olhos de tempestade se ergueram em direção ao outro homem. As orbes escuras demonstravam toda a curiosidade ansiosa.
— Que descoberta foi essa? — Perguntou o rapaz.
Mikha riu em tom moderado. Não conseguia dizer se o fazia por conta da pergunta ou se a reação aparecia como resposta as feições sempre muito bem marcadas no rosto de Pasha. De qualquer forma, baixou um pouco a cabeça e em seguida, apontou para a mecha de cabelos brancos, antes de voltar à posição anterior, na intenção de dedicar-se, mais uma vez, ao desjejum.
— É só o papai ficando velho. Nenhuma novidade — complementou Pétia, como sempre, arrumando uma forma de comentar algo na conversa dos adultos, como se tentasse se igualar em maturidade ao assunto.
Pavel Iurievitch teceu um breve comentário que soou quase desinteressado. Seguiu comendo sua fatia de pão, enquanto a mente confabulava a respeito da insistência de Mikhail em aparentar ter mais idade do que ele.
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Um Conto do Leste
Исторические романыRussia, 1914, a revolução bate na porta e o pânico da Primeira Guerra Mundial se espalha por toda Europa. Neste cenário nasce uma improvável amizade entre Mikhail de oito anos, filho de uma família de aristocratas, e Pavel, um camponês da mesma idad...