Capítulo I: Um Plano Perfeito

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1914, Russia Czarista.

O pequeno Mikha abriu seus olhos de algodão. As orbes meigas e acinzentadas, logo voltaram-se ao relógio de bolso deixado sobre o criado mudo. Seus dedos tortos e desajeitados se estenderam em direção ao objeto dourado que ergueu diante ao rosto para conferir as horas.

Um sorriso satisfeito se desenhou no semblante do menino ao notar que seu esforço para dormir cedo na noite anterior valera à pena, já que conseguira acordar na hora pretendida: aquele momento da manhã onde o sol não passa de um risco alaranjado no azul-marinho do céu.

Ainda capaz de sentir a lentidão imposta pela preguiça, Mikhail se levantou, não podia demorar muito, já que em poucas horas sua preceptora estaria acordada e seus planos seriam frustrados pela fiscalização adulta.

Ele abriu o guarda-roupas e puxou do cabide, sem nenhum cuidado, o elegante terno de veludo em miniatura, trajado apenas aos domingos e em ocasiões especiais. Mikha vestiu a roupa, com exceção dos sapatos, então, pegou o travesseiro de penas e tirou a fronha, colocando-a sobre a cama junto ao colar de pérolas, usurpado da penteadeira de sua mãe no dia anterior.

Apropriadamente arrumado, o garotinho de oito anos abriu a porta de seu quarto e encarou o corredor escuro. Olhou bem para os dois lados verificando se havia alguém no perímetro que pudesse intercepta-lo. Só após constatar a segurança, na ponta dos pés, como se dançasse um balé, se esgueirou pela enorme casa dos Karev até chegar a cozinha.

O cômodo se encontrava vazio, entretanto haviam sinais de que as empregadas já estavam acordadas: o fogão à lenha aceso, a porcelana do café da manhã, esperando para ser posta na sala de jantar e é claro o agradável aroma de um pão recém assado, que esfriava bem ao centro da mesa.

Tudo o que Mikha precisava!

Ele se aproximou do móvel e esticou-se ao máximo para conseguir alcançar o pão, em seguida, fez o caminho de volta para seu quarto, portando o furto entre as mãos, que reclamavam do vapor quente vindo do alimento.

Mikha entrou em seus aposentos e rumou em direção a cama, onde a fronha do travesseiro ainda esperava por sua utilidade no plano do garotinho. Ele a virou do avesso e a sacudiu, para que as penas remanescente se soltassem, só então, enfiou lá dentro o colar de pérolas e o pão.

Com a bagagem pronta, Mikhail calçou os sapatos, pois já não precisaria andar pela casa sem ser fazer barulho. Foi até o espelho da porta do roupeiro e arrumou os cabelos castanhos com todo o cuidado. Por último empurrou o criado mudo até a janela e se empoleirou para abrir a veneziana.

O vento de verão soprou forte contra seu rosto, e Mikha encarou a paisagem sem complexidade o suficiente para conseguir parar para admirar a beleza dos mares de grama tocados pelos primeiros raios de sol.

A casa da família Karev era extensa, uma cicatriz nos campos vastos que a cercavam. A construção se estendia por metros e mais metros com suas cúpulas eslavas que lembravam a arquitetura de uma igreja. O lugar pertencia à família desde as guerras napoleônicas, quando o clã levou sua riqueza aos campos, deixando Moscou para ser incendiada. Apesar da suntuosidade do local feito para abrigar aristocratas, a casa não possuía um segundo piso, o que facilitou ao menino jogar pela janela a fronha contendo pão e pérolas e em seguida saltar para fora.

Uma vez no exterior, Mikhail correu, como nunca acreditou que seus pés infantis aguentariam. Foi em direção ao capim alto a oeste, onde sumiria e nenhum empregado conseguiria intercepta-lo. Ria com a alegria ingênua de fugitivo, que planejara seu escape por dias.

Quando deduziu estar a uma distância segura, diminuiu o passo, sem olhar para trás: deixou as belas cúpulas que conhecia tão bem e seguiu em frente, pois agora só existia o campo, exercendo resistência à sua passagem.

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