Ao adentrar a isbá pequena em que aquele casal de jovens residia, Nasekomoyev passou os olhos por cada um dos objetos as suas vistas. O pequeno armário onde guardava-se os suprimentos, a cama de casal improvisada, escondida atrás de uma meia parede não concluída, o fogão de barro, responsável pelo aquecimento da casinha, as louças em par e a mesa de duas cadeiras, no centro da área da cozinha. Um bom espaço para o casal, no entanto, o oficial não foi capaz de notar dentre o conjunto de pertences uma única coisa que remetesse ao filho que teriam em breve.
Os olhos do homem caíram, então, sobre o rapaz, que até então, jantava sua sopa de beterrabas em silêncio... "Interrompi a refeição" pensou Nasekomoyev, ao passo que via Mikhail abandonar seu lugar à mesa para colocar-se ao lado da esposa.
— Como eu disse, camarada oficial, nós não devemos nada ao governo e nem nos colocamos contra a... — Anya tentou, mas faltou-lhe palavras.
Os olhos desconfiados da moça caíram sobre a figura pálida de Mikha que a envolvia pelos ombros... o que teria ele feito? Belbogovna nunca o viu desrespeitar os decretos ou falar contra o governo, supostamente, não havia o que temer, ao menos diante ao pouco que ela sabia...
— Que não devem nada eu já sei, camarada Belbogovna — respondeu Nasekomoyev — Meus assuntos aqui são outros.
— Como disse que se chama? — Mikhail ergueu uma das sobrancelhas em uma expressão de confusão.
— Eu não disse — Nasekomoyev respondeu de forma animada, como se a questão velada de Mikha não passasse de um mal entendido.
"O que um homem com trajes de oficial faz aqui a uma horas dessas?" Mesmo que a pergunta permeasse cada canto de sua cabeça, Mikhail preferia não pensar na resposta... independente do que lhe viesse à mente, apenas um destino se mostrava possível diante a situação no mínimo preocupante...
Os olhos de algodão voltaram-se para a janela entreaberta... viu os dois soldados com fuzis na entrada da vila.
— Anya, vá para junto de sua mãe... ouvi dizer que ela janta com Tânia e Pasha hoje... — "Pelo amor de deus, corram todos para dentro da floresta..." ele quis completar, mas não podia... que ela compreendesse seu pedido calado... que ela compreendesse o perigo evidente que corriam.
— Mas ela está em...
Ele voltou as orbes arregaladas em direção a esposa, fazendo com que ela se emudecesse mais uma vez.
— Ela está com Tânia e Pasha — ele afirmou com mais ênfase em sua voz.
— Vá, minha senhora — disse Nasekomoyev, voltando-se a moça — o assunto que tenho a tratar com o seu marido é demasiadamente longo e tedioso, espero que não se importe... ficará bem mais confortável junto ao fogo na presença de sua família.
Sequer passou pela cabeça de Anya a ideia de recusar o convite para sair. Não proferiu nada, um tanto estática para além do comum, apenas concordou com a cabeça e virou-se para Mikhail. Ela tomou as mãos do marido entre as suas, as apertou com força, apesar do suor frio que dificultava o ato...
— Estarei na casa de sua mãe, junto aos outros — ela comentou antes de passar parcialmente pela porta — qualquer coisa basta me chamar...
"Tire todos daqui" Mikha quis dizer, mas não podia, qualquer demonstração do tipo poderia acabar com a suposta falsa amistosidade da conversa e bastava uma ordem do oficial para que os soldados na entrada da vila abrissem fogo.
— Cuide-se, já está escuro... — suas mãos tremiam enquanto soltava Anya com certa dificuldade.
Os olhos da moça focaram-se ainda mais uma vez no marido, como se dissesse a ele uma despedida silenciosa antes de sair.
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Um Conto do Leste
Ficción históricaRussia, 1914, a revolução bate na porta e o pânico da Primeira Guerra Mundial se espalha por toda Europa. Neste cenário nasce uma improvável amizade entre Mikhail de oito anos, filho de uma família de aristocratas, e Pavel, um camponês da mesma idad...