Na noite seguinte, ao voltar para casa após o trabalho, Pavel não encontrou Mikhail no bonde. Viu-se, de certa forma aliviado, uma vez que sentia-se um tanto inseguro no que concernia às reações do amigo aos eventos passados.
A verdade era que Pasha sequer pensava muito sobre a noite com Klaus. Apenas sentia-se exausto após a rotina de trabalho e a falta de sono. Precisava de sua cama, seu apartamento e seus objetos já familiares e seguros. Pensar demais, agora, apenas serviria para envolvê-lo em um enredo insolúvel de inseguranças, medos e culpas.
Pavel queria descansar sem discutir ou refletir, apenas deitar a cabeça nos travesseiros, ainda mais que no dia seguinte, teria sua folga que, acontecia em um a cada cinco dias de acordo com aquele plano que descontentava parte dos trabalhadores, uma vez que os dias de descanso entre os familiares caiam em datas distintas.
Enfrentar Mikhail, uma hora ou outra, seria necessário, mas não naquela noite, não com todas as situações recentes que atingiam as ideias de Pasha com uma centena de novidades impossíveis de processar em tão pouco tempo.
Assim que chegou ao prédio onde morava, Pasha rumou a cozinha, para o jantar. Mikha não estava lá, apenas apareceu, acompanhado da esposa e dos filhos, alguns momentos depois, quando Pavel já preparava-se para rumar aos aposentos.
Cumprimentaram-se todos como se nada tivesse acontecido, mas Pavel não pode deixar de notar a expressão de Mikha que mesclava o ressentimento com o alívio. Pasha, ao deixar a cozinha, sorriu para o amigo na intenção de acalmá-lo, de dizer que tudo se encontrava em perfeita ordem, mesmo que na realidade a confusão das novas ideais soprasse em sua mente.
No dia seguinte, Pasha até tentou dar-se ao luxo de acordar mais tarde, mas a rotina acabou fazendo com que despertasse na mesma hora de sempre. Além disso, para contribuir com o hábito, algum som no corredor mostrava-se proeminente... conversas entre os vizinhos, talvez, dali ele não podia identificar.
Vestiu-se e desceu as escadas em caracol. Pensou em dedicar-se aos livros que Nikítin havia lhe emprestado, mas temia acabar perdendo-se em ideias indesejáveis e preferiu cercar-se da presença dos outros, para assim distrair-se e afastar o fantasma da culpa que parecia bater a porta como um visitante indesejado.
Talvez tomasse coragem para conversar com Evgeniya Artyomovna Borkowskaya, sondá-la a respeito das aulas de francês, como Mikha propôs há algum tempo atrás. A ideia ainda pairava pela cabeça de Pasha, ainda mais agora, diante ao dicionário de francês emprestado por Nikítin.
Descobriu, ao chegar no corredor, que a comoção dava-se graças a uma discussão entre Mikhail e Ivanov (o Ivanov pai, cujos primeiros nomes eram Yerik Borisovich) : ambos de semblante fechado, trocando acusações, enquanto Borkowskaya, como gerente do prédio, servia de mediadora para o caso.
Pavel, mesmo tendo pego o assunto pela metade, através das réplicas, logo compreendeu o motivo que conduzia a ameaça de briga:
Ao que parecia, Pétia aprontou alguma pelos corredores durante a noite anterior, e, para punir o rapazinho agitado, Yerik Borisovitch teria acertado um tapa na orelha de Piotr, o que fez Mikhail se indignar e buscar por satisfações com o vizinho.
— Camaradas, não se exaltem. Estamos aqui para resolver o problema — dizia Evgeniya Artymovna, tentando acalmar os senhores que trocavam acusações.
— Eu estou dizendo para a senhora, camarada Borkowskaya: é impossível! — rebatia Ivanov — O camarada Iurievitch parece não compreender o caso. O garoto estava interrompendo a conversa dos adultos, merecia uns bons tapas para aprender...
— Neste caso o senhor deveria ter reportado o problema para mim e para Anna, não agredido uma criança de seis anos, camarada Ivanov — Mikhail interrompeu em tom de voz irritado.
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Um Conto do Leste
Fiksi SejarahRussia, 1914, a revolução bate na porta e o pânico da Primeira Guerra Mundial se espalha por toda Europa. Neste cenário nasce uma improvável amizade entre Mikhail de oito anos, filho de uma família de aristocratas, e Pavel, um camponês da mesma idad...