Pavel teve um sonho:embarcou em um trem, tal qual seu futuro designava....
juntou-se a Pasha um jovem viajante que comentou sobre os ares estranhos do destino em comum. Falou como o trem faria uma volta desnecessária antes de chegar ao ponto final da jornada e, por fim, aquietou-se ao chegar ao vagão. Pavel, escolheu um lugar junto à janela e ouviu o apito que anunciava a partida... logo estava em movimento.
Após algum tempo (perdido na alameda do inconsciente) as imagens da vista tornaram-se preto e branco e ruidosas, tal qual uma fotografia, ou as letras de um jornal sobre a página. Nada ali lhe remetia ao costumeiro, ao esperado dos arredores de Moscou. Mais lembrava os campos anciões que vagavam em memórias antigas, como se a viagem feita até a capital soviética anos atrás fosse recapitulada pelo subconsciente, com detalhes imprecisos e completamente desprovida de cor.
Perdeu algum tempo tentando decifrar a vista, mas quando os olhos de tempestade se voltaram ao interior do trem, Pavel viu-se completamente sozinho no vagão. Nem lembrava mais do viajante que adentrou o local com ele... o efêmero e inconstante já lhe tomara aquela informação.
Voltou a observar a janela e através dela, viu a fumaça da locomotiva, ao passo que os ouvidos captavam o barulho dos trilhos no cenário peculiar pelo qual passava. Repentinamente, então, não encontrava-se em uma paisagem normal. Notou que, agora, o trem passava no meio de um cemitério, com lápides quebradas e afundadas na neve de um inverno morto. O cemitério lhe parecia infinito, tal qual parecia abandonado há décadas, sem que uma única viva alma aparecesse para chorar os mortos que ali descansavam.
Encontrava-se quase em pranto, diante a todo vazio e esquecimento que tomavam suas vistas. No peito de Pavel, avançava a sensação de déjà-vu, como se aquele cemitério pertencesse às coisas antigas que tentava a todo custo manter emudecidas em um canto perdido. Podia jurar que repentinamente o espírito abandonado de sua mãe apareceria no meio da neve, o culpando por tê-la deixado para os lobos, sem um funeral, sem a pompa que um último adeus merecia. Tânia, com sua religiosidade inabalável, com seus mártires e um único Deus dividido em três... teria ela descansado mesmo sem receber todos os sacramentos previstos para que um espírito se juntasse ao seu criador? Teria se tornado uma lenda do mundo de uma estrada só? Uma mulher triste que vaga pelas florestas sozinha.
Pasha se dedicou a esses pensamentos por uma boa porção de tempo, e quando se desligou deles, notou que o trem encontrava-se parado, no meio do nada. Tal coisa não o fez estranhar, aceitou a situação como natural, tal como se aceita a realidade dos sonhos. Então, de maneira inesperada, ouviu um som de vozes e passos. Pessoas embarcavam ali, no meio do nada. Pavel olhou para porta esperando os companheiros de viajem e quando esses adentraram o rapaz, sentado, quase levantou-se para sair correndo daquela locomotiva.
Dois homens... um que era o retrato que Pasha tinha feito de Petyr em sua cabeça, o outro era ninguém menos que Nasekomoyev. Os dois pálidos, como o corpo de Tânia na floresta, os dois com suas fardas sujas de sangue. Olharam para ele por um instante, comentaram algo com voz apática e sentaram-se em um banco, onde ficaram imóveis até chegar aos ouvidos de Pavel a voz inconfundível de Mikhail.
— Petyr...
...
— Petyr — O nome saiu dos lábios de Mikha antes que pudesse conter ou se corrigir. Nos últimos dias o irmão ficara tanto tempo em seus pensamentos que a alcunha do falecido viera a sua garganta automaticamente. — Digo, Piotr, eu preciso conversar com seu tio. Durma com sua mãe essa noite. Tudo bem?
Pavel abriu os olhos, ainda sofrendo do sufocamento causado pelo sonho. As imagens pareciam não lhe soltar e tentavam puxá-lo para baixo naquelas águas tormentosas. Precisou, primeiro, interpretar a realidade para que chegasse a conclusão de que Mikhail encontrava-se no quarto e que não falava ao fantasma do soldado, mas sim com o filho mais velho, com quem Pasha dividia o quarto.
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Um Conto do Leste
Ficción históricaRussia, 1914, a revolução bate na porta e o pânico da Primeira Guerra Mundial se espalha por toda Europa. Neste cenário nasce uma improvável amizade entre Mikhail de oito anos, filho de uma família de aristocratas, e Pavel, um camponês da mesma idad...