Capítulo III: Não Há Lugar Para Culpa (Parte 3)

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Mikhail ainda sentia o coração bater rápido, graças a adrenalina provinda do ato de esconder prováveis conteúdos subversivos em baixo do assoalho. A sensação se mostrava muito mais intensa do que a que vivenciava ao escapar durante um dia de calor para ir até o rio... mesmo que o ato de esconder algumas centenas de páginas, em sua gênese, fosse muito mais banal do que emaranhar-se em meio a floresta e mergulhar na correnteza perigosa que arrastava em direção às pedras escorregadias.

— O que faremos agora? — Mikha perguntou, enquanto ele e Pavel desciam pela escada em caracol, deixando para trás os aposentos que, em breve, os tornariam vizinhos.

A resposta poderia divergir de diversas formas, no entanto, a maioria dos prováveis rumos deixava o mais jovem dos dois um pouco aterrorizado: fosse na ideia de unir os polos de sua vida, fosse na possibilidade de ver Pasha partir, mesmo com a promessa de que voltaria em breve... ambas situações mereciam um medo muito instintivo e irracional, algo que Mikhail não conseguiria nomear especificamente, pois abrangia mais de si mesmo do que ele conhecia alcançar conscientemente.

O próprio Pavel, o responsável pela escolha, mostrava-se um tanto receoso em propor o destino de sua visita... perdido entre a porta de saída e a aquela porta fechada, através da qual, mais cedo, pode ouvir a voz aguda de um dos filhos de Mikhail.

Todo o mistério escondido na nova vida do homem ao seu lado: Anya, as crianças, a dinâmica daquela família... as mudanças inevitáveis, aquelas coisas que assustavam Pasha, como se ele, de alguma forma, buscasse sempre pelo rapaz das memórias: o aristocrata dentre os mujiques.

Ficaram parados no fim do corredor. Mikhail encarou Pasha, Pasha desviou o olhar, sem coragem de manter-se muito tempo sob a mira daqueles olhos. Calaram-se, mas o silêncio não pesou, não tanto quanto deveria diante a indecisão e a questão suspensa que ainda pairava entre eles.

— Eu vi Anya... mais cedo — Pasha comentou — eu vim para cá ainda durante a tarde, precisava vir enquanto ainda era dia claro, além de... — "Precisar da coragem momentânea" ele completou mentalmente — Ela estava com seus filhos. Eu não quis me apresentar. Acho que devo fazer isso agora, não há motivos para... ir embora sem cumprimentá-la, não é mesmo?

Ambos negavam para si a existência de tais motivações.

Mantinham os mesmos segredos guardados, escondiam as mesmas inseguranças, os mesmos sentimentos anteriores, a mesma vontade ávida, contida, reprimida, mas que jamais se extinguiu, transmutando-se, por vezes em tortura, por vezes em harmonia.

Em um pacto silencioso, porém, os dois viam no reencontro a possibilidade de um recomeço: a possibilidade de resignar o passado apenas ao ambito do passado, de forma que os beijos, as carícias, os olhares e todos os atos e emoções de outros tempos se escondessem, como se vivessem nas páginas de um livro fechado há muito tempo.

Tinham a oportunidade de serem irmãos, nada além de irmãos, ao menos no que competia ao externo, pois o resto não se poderia jamais controlar.

— Muito bem. Se é assim, vamos. Anya deve estar preocupada, pois eu não avisei a ela da minha chegada. Primeiro, no entanto, é preciso entregar a chave dos aposentos, então, vamos até a cozinha. — Mikhail disse, no intuito de atrasar a inevitável colisão.

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Piotr Mikhailovitch encontrava-se sentado no divã e diante aos seus cadernos de escola. O rapazinho completava as palavras propostas pelo professor. Sua letra ainda infantil e um tanto falha aparecia aos poucos na página, iluminada pela luz artificial que caia sobre todos os objetos do apartamento.

Mais adiante, de maneira descompassada e quase caótica, as tarefas pareciam se multiplicar na lista de afazeres de Anya Belbogovna, que além dos serviços domésticos, também começava a se preocupar com o atraso de Mikhail, que já deveria ter chegado em casa há pelo menos meia hora.

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