Um Conto do Leste

Capítulo XVI: Decisões de Última Hora (Parte 3)

A chama do lampião tremulava dentro das paredes de vidro que a rodeavam. Queimava o óleo com uma fome constante de sobrevivência e formava uma luz mínima que clareava moderadamente o caminho de Mikhail e Nasekomoyev através da trilha em direção a carruagem do oficial.

Não dizia-se palavra alguma, embora o silêncio completo não fosse característica da quietude externa que tomava os dois homens e principalmente Mikhail que, mesmo desconfiado, jamais conseguiria descartar plenamente a proposta feita por Gregor Dmitrievitch.

Seria verdade? Uma recusa poderia condenar todos com os quais o rapaz se importava à morte?

O prazo curto para a decisão complicou ainda mais a perspectiva do convite: mais uma vez, Mikha viu-se diante a encruzilhada escura, onde teria de tomar logo um caminho que certamente mudaria para sempre a sua vida... fato era que jamais se perdoaria caso trilhassem todos a rota que acabaria em suas tumbas precoces.

A vida das pessoas que lhe eram caras ... a saúde dos que o salvaram de uma morte certa... aquelas coisas pesavam sobre os ombros de Mikhail e enchiam sua consciência de dúvidas... suportar tal fardo desgastava-o mesmo fisicamente.

Caso aceitassem a mudança, se adaptariam ao trabalho e a vida na cidade? A realidade tão distante dos prédios amontoados e correria constante... e além disso, em que estado se encontravam as regiões urbanas da Rússia? Mudaram muito desde que Tolstoy as descreveu? Provavelmente sim, tudo naquele país mudou muito desde a revolução...

Mikha, nos anos abastados de sua infância, não chegou a conhecer Moscou. São Petersburgo, nas décadas passadas, foi o centro da vida social e portanto o destino de suas viagens familiares. Mas agora, até onde Mikhail sabia, o governo instalou-se no Kremlin de Ivan¹ e a cidade logicamente deveria crescer para se tornar uma grande capital.

— Deve encontrar os seus agora, Mikhail, debater com eles a proposta, mas saiba que se optarem por ficar, não poderei protegê-los. — disse Gregor, antes de subir na carruagem — Fique com as permissões de viagem, serão necessárias para o embarque... não é um trem muito grande, verá que apenas alguns oficiais, recrutas e poucas famílias o ocuparão, além disso, será mais de um mês até Moscou... seu filho já nascerá em um hospital, mais protegido caso aconteça qualquer complicação.

Mikhail concordou com a cabeça e, com um sorriso insatisfeito, despediu-se do amigo de Petyr e sua imagem deformada, escondida, mais uma vez, pelo capuz do casaco. 

Ao tecer sozinho o caminho de volta pela trilha, fitou a isbá iluminada onde Tânia e Pasha residiam... 

O mundo real, durante os anos em que passou instalado em meio aos camponeses, resumiu-se a segura quantidade de verstas regionais, de forma que os palácios congelados de Petrogrado mais pareciam fruto de um sonho longínquo. Retornar a uma cidade grande e abandonar para sempre o lar parecia-lhe semelhante a ideia de ter centenas de punhais emaranhados em seu peito.

Afeiçoou-se ao rio, aos campos, ao círculo de casinhas, aos cantos naturais e até mesmo ao trabalho árduo sob o sol do verão... cada detalhe do mundo de uma única estrada pertencia-lhe... não da forma egoísta das "propriedades" e demarcações humanas... a mata livre e os campos férteis nunca se curvariam a um homem segurando um pedaço de papel... na verdade, ele corrigiu-se, não eram aquelas coisas que lhe pertenciam, e sim o contrário... era ele que pertencia ao ambiente.

Mikhail bateu na porta da casa onde passou o fim de sua infância e a adolescência, perguntou-se se estariam lá as pessoas e anunciou-se em voz alta, para chamar atenção caso houvesse alguém no interior da Isbá... demorou ainda uma porção de segundos para que uma fresta aparecesse na abertura, só então, deixou-se analisar pelos olhos preocupados de Tânia.