Capítulo XIII: A Folhagem dos Bosques (Parte 2)

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Foram dois anos, mas para a vila pequena pareceram duas enormes décadas

Em outros tempos aquele lugar foi um círculo simples de casinhas modestas, habitadas por famílias que se conheciam há gerações, mas agora as isbás abandonadas e lacradas para sempre se desfaziam com os invernos inóspitos que castigavam seus forros.

Muitos partiram depois da fome de vinte e dois, rumaram para a vila grande, para a cidade ou simplesmente foram suprimidos pelas guerras, deixando o local nas mãos de cinco ou seis núcleos resistentes que lutavam como podiam para manter seus lares.

Agora, parte do círculo já era reclamado pelo bosque que avançava em direção ao centro da clareira, onde o velho armazém sem utilidade se encontrava: parado e com as toras dos pinheiros que compunham as paredes tomados pela vegetação de primavera.

Na época dos Karev era ali que ficava o trigo colhido nas plantações. Era ali também que os camponeses recebiam seus salários e compravam a comida, fornecida, é claro, pelos senhores, para que assim o lucro e o dinheiro se mantivesse nas mãos do dono da terra.

Sem a família de Mikha o local perdeu seu status centralizado e apesar dos representantes do governo responsáveis pela região terem tentado fazer do armazém uma espécie de posto, com o tempo e com a migração da maioria das pessoas que viviam ali, a construção tornou-se completamente abandonada, de forma que Mikhail, ao escorar-se em uma das paredes externas, pensou quanto tempo levaria até que desmontassem o armazém para transformá-lo em lenha.

Ao redor o capim crescia viçoso, já chegando a altura dos tornozelos, os ramos e pequenas flores de cor púrpura cresciam em torno das cercas quebradas e as portas de madeira já não paravam mais fechadas, bem como as tábuas usadas para lacrar a construção tinham sido destruídas, talvez por mãos humanas, talvez por ação natural, era impossível averiguar com certeza.

Mikhail, ainda escorado contra a parede apodrecida, tinha as mãos nos bolsos do casaco de lã aberto, mostrando a camisa de linho atada na cintura e as calças de cor marrom como as botas de trabalho que iam até seus joelhos, protegendo os pés de qualquer perigo que pudesse haver no solo selvagem.

Passara o dia fazendo alguns reparos na casa de um dos fazendeiros, em troca, receberia algumas lãs e um pedaço de carne vinda de um boi tão magro que definharia de fome se não fosse sacrificado logo.

Já Pavel trabalhava em uma das plantações, arando a terra e semeando trigo, do qual receberia uma parte quase nula e que serviria de investimento para o próximo inverno. Junto a ele estava Dasha, ao passo que Anya e Tânia aproveitavam a terra fértil da horta para plantar alguns vegetais que provavelmente seriam conservados na salmoura.

Mikhail não conseguia processar o que pensava de forma que avaliar se a separação, imposta pela rotina, entre ele e seu amigo era algo bom ou ruim, se servia para deixar a poeira baixar ou se apenas imporia mais distância entre os dois. Bem verdade que buscava uma reaproximação, mas tinha receio em acabar ultrapassando os limites e piorando tudo, além do mais, na noite anterior Pavel dormiu muito cedo, de forma que não conseguiram conversar e pela manhã, ao despertarem, Tânia já colocava na mesa o que sobrou do pão da noite anterior e que serviria de desjejum para os três.

Ainda assim, apesar da falta de oportunidade para um diálogo sério e íntimo, ambos os rapazes mantinham-se em uma espécie de teatro, no qual Pasha fingia que tudo estava normal e Mikhail tentava acompanhar, completamente sem jeito com tal mise-en-scène.

Não adiantava de nada fingir! A culpa acompanhava Mikhail onde quer que ele se escondesse e o sentimento de rejeição eram duas toras de madeira depositadas uma em cada um de seus ombros.

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