Capítulo II: O Hóspede (Parte 1)

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É estranho quando não se conhece de vista as pessoas das quais tanto se ouve falar. Nasekomoyev fazia-se presente na história de Pavel Iurievitch desde a noite em que o rapaz ouviu a leitura de Mikha da carta que Gregor Dmitrievitch enviou aos Karev para informar a família sobre o falecimento de Petyr Andreyevitch.

Tanto tempo e Pasha, sequer uma vez, encarou Nasekomoyev frente a frente. Conhecia seu vulto, visto ao longe na noite em que o oficial apareceu na vila pequena para tratar com Mikhail. Conhecia suas histórias, aquelas que lia nas cartas chegadas da cidade... na época em que elas chegavam. Todas as informações recebidas sobre Gregor Dmitrievitch criaram em Pasha uma imagem, não concreta, mas quase tão abstrata quanto a dos personagens das lendas: um veterano de guerra com o rosto deformado, surdo de um ouvido, mas com um senso de moral e honra tão definido quanto o de um cavalheiro inglês.

"Acho que a pior coisa que poderiam fazer com Nasekomoyev seria ferir sua reputação com calúnias... ele nutre em si um orgulho quase ingênuo em relação ao que se tornou. Preocupa-se demasiadamente com o legado e por isso teima em dizer que possui para comigo uma dívida, independente de quantas vezes eu lhe responda com a afirmativa de que não há débitos entre nós." — Mikha escreveu em uma das cartas enviadas no primeiro ano de sua estadia em Moscou.

Pavel viu-se em um estado de curiosidade quase místico diante a certeza de que, finalmente, encontraria e falaria diretamente com Nasekomoyev. Perguntava-se, enquanto andava alguns passos atrás de Olga e Katherina, se o homem tinha algo do mito criado pelo rapaz e a cada instante pegava-se mais ansioso para conhecer aquele que seria seu anfitrião nas primeiras semanas.

No entanto, em meio a ânsia em retirar o manto que cobria Nasekomoyev, Pavel viu-se atordoado novamente pela ideia de um reencontro com Mikhail... impossível não relacioná-lo a Gregor Dmitrievitch, pois aquela carta, lida nos primeiros anos de sua vida, ainda criava entre o oficial e Karev uma ponte, por onde os pensamentos conectivos fluíam naturalmente.

O novato na capital apurou o passo, para aproximar-se de suas guias. As duas logo o incluíram no grupo e tentaram inserí-lo na conversa, mas Pasha carregava em sua mente perguntas que necessitavam de respostas e por isso, de maneira desconexa, lançou a primeira delas as moças:

— Mikhail ainda trabalha na fábrica de armamentos?

Katherina e Olga mantiveram-se em um silêncio surpreso por alguns instantes, antes que a filha de Nasekomoyev proferisse uma afirmativa.

— Desde que chegou a Moscou, na verdade — a moça complementou.

— E que a que horas ele deixa o emprego? — Pavel continuou seu interrogatório.

— Por essas horas, eu acho, não tenho absoluta certeza, me embaso nos dias em que ele e meu pai se encontram, mas não se preocupe, tenho certeza de que ele virá visitá-lo ainda esta noite.

Era tudo o que Pasha temia: o reencontro precoce com Mikha, a possibilidade de revê-lo e perceber que os anos o moldaram de maneira tão diversa a ponto de exterminar completamente o garoto que Pavel Iurievitch conheceu em outros tempos. Seu peito se apertou, ele parou de andar, viu-se nervoso mais uma vez, inseguro e até mesmo perdido diante ao barulho constante da rua. Katherina e Olga também deixaram de seguir o caminho e voltaram-se ao rapaz.

— O senhor está bem? — Olga perguntou.

— Sim, é claro, só... preciso de um tempo — Pasha respondeu.

Simplesmente não podia, não agora, não lotado de todas sensações novas, não sem descansar antes, sem refletir sobre a ideia de um reencontro. Geograficamente, a distância entre Pavel e seu amigo de infância era pouca, mas como ele poderia interpretar a questão subjetiva que os envolvia? Lembrou-se dos dois momentos em que seus lábios estiveram juntos ao de Mikhail, recordou a confusão da adolescência, os olhares, os toques raros, todas as coisas que denunciavam que não tratava-se de uma amizade comum.

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