Capítulo XII: Uma Utopia (Parte 2)

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Nas lembranças de infância de Mikhail Andreyevitch Karev, naquele instante, destacava-se a imagem de Petyr, dizendo-lhe que um homem jamais deveria se dar ao luxo de derramar lágrimas, pois estas rebaixavam, de alguma forma, a condição masculina.

O choro era tido como fraqueza, quase como uma desistência do corpo aos problemas, quase como uma afronta a ideia de ser homem. Ao menos, foi isso que Mikha e seu irmão aprenderam, também foi isso que Pavel aprendeu e que todos os rapazes ouviram durante suas vidas: chorar era algo restrito ás mulheres, e o sentimento também servia para rebaixá-las ao posto de "seres fracos".

E soa como um disparate chamar alguém como Tatyana Kresnikovna de fraca. Ela, Dasha, Anya, Natasha, Evgênia... todas as mulheres que Mikhail e Pavel conheceram durante a vida... todas elas responsáveis por algum tipo de esforço sobre-humano para sobreviverem naquele mundo.

A verdade era que Mikhail sempre foi um grande adepto das lágrimas. Elas vinham a ele com facilidade... sua garganta não demorava muito para criar nós e, embora, muitas vezes ele as contivesse da maneira que podia, diante de Pavel, diante a tudo o que acontecia, não se fazia possível aguentar.

Naquela noite, assim que chegou ao apartamento de Pasha, ao cerrá-lo com força entre seus braços, Mikhail não pode impedir que as lágrimas lhe deixassem os olhos. Tratava-se de um pranto silencioso que mal afetava as palavras que dizia... e tinha tanto a dizer...

Todos os pensamentos daquele fim de tarde voltaram, em sintagmas distintos dos imaginados, sem tanto detalhamento, mas estavam ali, presentes e relatados a Pavel: aquele que mais poderia compreender os dilemas dos dias feitos de poeira.

Nenhum dos dois sabia ao certo quem tomou a atitude de sentarem-se no chão e escorarem as costas na parede, mas o haviam feito. Passados alguns instantes, Mikha deitou a cabeça no colo de Pavel e deixou que os dedos alheios vagassem por seus cabelos, em um toque reconfortante.

Pasha era uma daquelas poucas pessoas que conseguiam causar um alívio breve na maré furiosa do mundo. Mikhail, de olhos fechados, sentindo as últimas lágrimas do choro descerem por seu rosto, quase conseguia sentir paz. Não via-se pleno, era verdade, a plenitude, ao que parecia, já não pertencia ao presente sufocado, mas os dedos de Pavel, contra seu cabelo, bastavam para trazer alguns segundos de tranquilidade.

— Vamos para o campo... — Pasha sussurrou. — Vamos voltar para casa, hum... construiremos uma isbá em uma clareira, perto de um rio, longe do mundo, longe de tudo... plantaremos para comer, nunca vão nos achar... somos mais astutos do que eles, conhecemos a vida de mujique, conhecemos a floresta e os rios, seríamos livres. Lembra-se de como eramos? De como vagávamos por tudo? O que foi feito daqueles meninos? Ainda podemos ser eles, sei que eles ainda existem, não como fantasmas, mas como pequenos demônios, enclausurados há anos dentro de nossas almas.

Mikha deixou um sorriso fraco nascer em seu rosto. Para o senhor, a proposta de Pavel residia em um plano fictício, como crianças que montam um paraíso inexistente, como autores que deixam contos fictícios em folhas de papel. Era apenas um alívio, um devaneio. Irreal, mas que tinha um efeito remediador momentâneo, como ópio no sangue.

Utopia, segundo o dicionário, significa "uma civilização ideal, um sistema pleno que parece irrealizável". Geralmente, a palavra "utopia" é empregada em um sentido político, de organização social e muito falou-se em "utopia" quando o assunto era o comunismo. No entanto, a palavra derivada do grego, em sua origem, quer dizer "um lugar que não existe", o que difere um pouco de seu significado mais comum. "Um lugar que não existe" pode ser diversas coisa, desde uma dimensão imaginária, até uma casinha no meio de uma floresta, onde duas pessoas poderiam viver sem inquietações de chumbo.

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