Dedos Voadores

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Os três dentro da carruagem ficaram perplexos quando ela parou logo no final da ponte. Os cavalos relincharam perturbados.

Embora com o coração na boca, Andriax não pôde evitar colocar a cabeça para fora a fim de investigar que luz era aquela que surgiu de repente.

Uma parede chamejante bloqueava o caminho. Na lateral direita dela o garoto avistou uma figura sinistra. 

Um homem baixo com capa negra, porém com olhos amarelos contrastando no negror sob seu capuz. A silhueta de uma arma aparecia às costas, mas as labaredas deturpavam a imagem.

Próximo ao cocheiro estava um rapaz com pele cor de café e cabelo até os ombros, todo trançado e disposto em listras pela cabeça. Brandia uma simples adaga e trajava uma camisa verde escuro com um colete de couro.

Ele vestia, principalmente, um olhar transtornado. Era quase como se quisesse fugir dali tanto quanto o serviçal. Sua boca, no entanto, anunciava o contrário:

— Conde Franzzaro e Lady Elizabeth Kaellerus! Sei que estão aí, saiam agora da carruagem!

O nobre em um elegante traje azul escuro franziu o cenho sob o chapéu pomposo. Desembainhou um sabre todo cravejado em pedras preciosas.

— Fique aqui, filha. Eu e Andriax vamos cuidar disso. — Abriu um baú, retirou uma espada curta e entregou ao mancebo de olhos azuis.

— Ele? — ela indagou, com mais ironia do que surpresa na voz.

— Eu?

— Será que só uma vez na vida dá pra fazer o que eu mando, menina?! — o aristocrata bradou antes de puxar seu servo porta afora.

O cocheiro afundou no banco e sussurrou uma prece por perdão, convicto de que aquilo era um castigo divino por ter roubado o maldito charuto.

 O jovem com gibão laranja tremia atrás do conde enquanto este assumiu posição de guarda. A bravura de seu tom destilava arrogância ao intimar:

— Tolo insolente, suma daqui antes que eu te retalhe em mil pedaços, anda!

— Você não...

— Não vou falar outra vez, ralé sórdida! Desapareça da minha frente! — esbravejou como um latido violento.

Andriax ouviu uma sonora risada próxima ao crepitar das chamas. O encapuzado parecia estar se divertindo com a cena. 

O vento uivou longamente, perturbando a levitação rítmica da neblina ao redor. A lua eclipsou-se por entre nuvens preguiçosas.

O rapaz negro encenou uma bravura que não lhe era familiar.

— Você não está em posição de negociar, conde! Entregue Lady Elizabeth agora ou...!

Andriax levou um susto ao ver uma flecha esburacar o ombro esquerdo do mancebo. Gotas rubras chisparam no ar enquanto a dor lhe arrancou um berro esganiçado. 

O criado logo verificou que a fonte era Elizabeth, que de algum jeito tinha subido em cima da carruagem sem ninguém notar.

— Ou o quê, hein, seu moleque? Vem me pegar então — ela provocou.

O nobre não perdeu tempo. Aproveitou a distração e arremeteu o sabre contra adversário, a lâmina ansiando por atravessar-lhe o coração.

 Em um reflexo súbito, os metais colidiram com um som estridente: o rapaz interceptou o ataque com a adaga e desviou sua trajetória em um arco faiscante.

Com um sofisticado floreio, a espada dançou com impulso no ar e desferiu outra estocada. A dor pulsante não deixou a mão do rapaz reagir desta vez, mas seus pés já estavam em ação. 

Ele recua com um salto para trás, fazendo a arma inimiga perfurar tão-somente o ar onde ele antes jazia.

O conde logo pula em sua direção para encurtar a distância e atacar de novo. Pelo canto dos olhos, Etherion captava que outra flecha estava sendo esticada no arco. Antes que pudesse se preocupar com isso, Franzzaro investiu com um corte diagonal.

Um dedo voou fazendo uma parábola no ar, seguido por uma longa cauda de sangue tal qual uma estrela cadente. 

A adrenalina refreava de leve a dor local, mas a ardência fulminante se impôs súbita onde outrora estava seu mindinho direito. Sem descanso, o mancebo teve que pular dois passos para trás a fim de evitar que o sabre o decapitasse logo em seguida.

Etherion arfava, a seta cravada no ombro ressoando espasmos de dor ininterruptamente. Com o braço esquerdo inutilizado, não podia trocar a adaga de mão, mesmo segurando-a com um dedo a menos. 

Rios vermelhos vertiam do rapaz, ilhando-o à deriva no mar de sua tragédia. Uma gargalhada macabra ressoou ao fundo. Acuado, ele sabia que o companheiro não iria ajudá-lo — aquele era seu desafio. Precisava sair dessa sozinho.

Necroergus! — o rapaz bradou de repente. De imediato um silêncio sepulcral abafou o crepitar das chamas. O vento calou-se. A neblina se afastou. Uma aura verde emanou da adaga e espiralou ao redor de seu portador. Os olhos do garoto agora eram totalmente brancos.

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