Fogo. O rosto de Maodron flutuava sem corpo em meio às chamas. Ele ria enquanto uma mulher gritava, agonizando em meio às labaredas. "Eu posso te libertar dessa dor," dizia uma voz hipnótica. Parecia que eram vários seres falando em uníssono.
"Tudo o que você tem a fazer é me alimentar," continuou. A carne da mulher negra estava derretendo, deixando os ossos à mostra. Metade de seu rosto agora era um crânio incandescente, mas ela ainda berrava clamando por socorro.
"Você não quer salvar sua mãe? Não quer parar o sofrimento dela? Me alimente, Etherion, e você terá paz."
O mancebo abre os olhos e sente gotas álgidas serpentearem pela nuca. "É só um pesadelo, não é real," pensava com fervor. Sacudiu as rédeas do grifo e fixou o olhar no horizonte. Estava voando há horas. Por sorte o vento incessante inibia o cheiro de carne podre que emanava de sua montaria.
O grifo era um magnífico animal quadrúpede de dois metros de comprimento. Na frente tinha aspecto de águia, mas as plumas logo transitavam para pelos bronzeados. Sua traseira era de leão, a cauda ondulava durante o voo.
Cada asa tinha quase seis metros de envergadura, as penas variavam do dourado para um azul cobalto. Por sorte, ele estava morto há apenas três dias, ainda dava para o demônio inserido nele voar.
— "Tudo o que te peço é que salve o mundo, Etherion." — Ele fez uma voz aguda, zombando das palavras da anciã. — Ah, vai catar coquinho, sua velhaca do caramba!
"Até parece!" continuou o monólogo no pensamento. "Que ideia mais ridícula, como se eu tivesse qualquer condição de fazer isso. Mas não se preocupe, velha gagá, eu tenho um plano. Depois que eu encontrar San Meldric, vou contar tudo pra ele."
"Como grande herói, ele vai lá tentar salvar o mundo e eu vou ficar esperando em um lugar qualquer. Simples. Aí a jararaca tem o que quer, eu me livro dessa bagaça e todo mundo fica feliz. Olha só, esse sim é um bom plano!"
O frio das alturas fez o garoto tremelicar dentro da capa preta. O capuz sacolejava frenético às costas, o vento pressionava suas bochechas amarronzadas. Uma dor penetrou os ombros de Etherion, súbita e voraz. Quando ele percebeu, estava sendo erguido do grifo, preso por garras poderosas.
Ao olhar para cima ele viu um humanoide com pele cinzenta e asas de morcego. Seus olhos eram completamente negros e os dentes, afiados. Ao invés de cabelos, ele tinha uma faixa de espinhos que iam do centro da testa até a extremidade da cauda pontuda. Dois outros seres idênticos o acompanhavam.
— Me solta, Petróvitlos! — bramiu o jovem, sua voz abafada pelo farfalhar das asas.
— Tem certeza? — riu o gárgula enquanto o grifo se afastava de seu mestre. — Não me tente, fedelho. Seu pai te quer de volta, e pra ontem!
Etherion deu um comando telepático para o demônio habitando o corpo da montaria. Esta logo foi tracejando um arco no céu, indo de encontro ao trio alado. Em seguida, o rapaz retirou a luva da mão e tocou a pele áspera da perna que o aprisionava.
— Eu disse... ME SOLTA!! — Um manto de lume verdoso envolve a garra de ossos até se transformar em uma chama da mesma cor.
O fogo derreteu a pele, abriu os músculos como se fossem manteiga e partiu o osso em três segundos. O capanga grunhiu em desespero, imediatamente soltando o mancebo. Etherion despencou em queda livre, as tranças se embaralhando ao vento.
Com um solavanco, ele pousou na cela do grifo, que conseguiu apanhá-lo no tempo exato. Os dois outros gárgulas voam como flechas a fim de alcançar o rapaz de camisa verde escuro. Sem demora, as pupilas do aprendiz desaparecem enquanto o chamejar da mão se espalha por seu corpo sem queimá-lo.
Com uma voz deturpada, ele recita com fervura ao erguer a mão esquelética:
— Ashrai caelldrov akaksandur mishra orksulbaor!
Um jato de fogo esmeralda flui da garra para o céu, se condensando em uma titânica esfera flamejante. A bola de labaredas tinha pelo menos vinte metros de diâmetro. Os gárgulas se afastam, espantados com tamanho poder. O mancebo continua repetindo a frase, fazendo com que o orbe assumisse o formato de um crânio gigante com direito a chifres e uma risada nefasta.
Os três capangas aceleraram as asas coriáceas e debandaram aos berros, o coração latejando em frenesi. Sem demora, o crânio gigantesco os perseguiu até engoli-los na bocarra de chamas. Com um tormento excruciante, eles foram pulverizados no céu. Não bastasse isso, a cabeça explodiu com um clarão inimaginável, trovejando sua gargalhada para além dos quatro ventos.
Etherion vestiu a luva outra vez, cessando a aura e devolvendo as pupilas aos olhos. Seguiu a viagem montado no grifo reanimado, já avistando as luzes de Rundrolgog por entre as florestas escuras.
"Eles correram de medo daquele espírito de fogo infernal," pensou o garoto. "Só consigo conjurar algo assim por causa dessa mão. Mas meu pai... tem uma armadura inteira feita de Triungrandrel."
VOCÊ ESTÁ LENDO
☠☠ NECROFÚRIA ☠☠ Aventura de RPG Medieval 🏹 Ação, Guerra e Magia ⛥
FantasyUm aprendiz de necromante. Um psicopata sanguinário. Um mago bêbado e uma paladina marrenta. Todos atrás de uma donzela durona que sai esmurrando todo mundo. Isso vai acabar mal... Do terror à comédia improvável, essa é a aventura daqueles que son...