A Taverna Voadora

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— A gente vai morrer, né, Shagda? — a voz grossa ecoa na cabeça do mago, maltratando seus tímpanos.

— Olha, morrer já é ruim, mas morrer ouvindo você reclamando já é castigo — uma voz feminina responde. — Tudo culpa desse humano estúpido!

O mulato respondeu por reflexo:

Quen vochê tá chamandu di humanu?

Agaxis abre os olhos, espantado com a articulação bêbada. Sua cabeça era um festival de explosões dolorosas.

 A paisagem ensolarada era um carrossel de cores que não parava de girar, causando forte tontura. Seu nariz fez uma careta ao inspirar o cheiro de álcool misturado com vômito.

Percebeu estar em uma planície, no alto de um tronco com rostos tribais esculpidos na madeira. Estava amarrado junto a um sujeito enorme de pele escamosa e a uma humanoide de no máximo cinquenta centímetros. 

Ele sentiu um ventinho gelado nas partes íntimas. Olhou para baixo e se viu totalmente nu.

Vochês abusaran du meu corpitcho? Que feeeeeio!

A criaturinha que vestia uma boina e um macacão azul metálico revirou os olhos ao dar um suspiro enfadonho. O indivíduo cor de grama dá um risada e responde:

— Só você pra me fazer rir numa hora dessas, amigo!

Agaxis olha para a esquerda. Ele tinha olhos amarelos e fendados, um focinho curto e nenhum cabelo. Orelhas como asas de morcego, dentes afiados. 

Forte como um touro, usava apenas uma tanga pela qual escorria uma cauda. Sem dúvida, tinha pelo menos dois metros de altura.

— Quen é vochê, bichu feio? Ti conheço?

O grandão ficou cabisbaixo, com um certo bico nos lábios.

— Sou eu, Dronar! Você... não lembra de nada sobre ontem?

— Eu falei que aquela cachaça dos anões era forte! – disse a pequena, dando risada com desdém.

O magrelo se esforçou para voltar à consciência. Ficou em silêncio por alguns instantes, se concentrando para diminuir a enxaqueca. Cochilou. Cinco minutos depois acordou berrando:

— Cadê minhas luvas?!!

— Vai assustar a vó, animal! — retruca a pequenina.

— Você tá peladão e tá preocupado com as luvas, Agaxis? — indagou o ser com cara de lagarto.

— Hã? Quem são vocês dois? O que... por que me amarraram?!

— Isso é tudo culpa sua, mago de araque! — acusa a mulher diminuta.

O mulato olha de soslaio para ela.

— Ah, sim, claro. É realmente meu sonho de consumo acordar ao lado de um draggonath e de uma gnoma rabugenta.

— Agora você lembra de mim? — Dronar sorri esperançoso.

Os dois se encaram.

— Não.

Silêncio constrangedor.

— Então, quem é que vai querer me contar o que aconteceu? — Agaxis retoma a palavra. Ele olha para o grandão. — Fala você porque eu já não fui com a cara dessa pulguinha aí.

— Não foi o que você disse na cama ontem à noite... — Ela sorri com sarcasmo.

— Oi? — Agaxis arregala os olhos para a gnoma e inclina a nuca para trás.

Silêncio constrangedor cheio de cenas mirabolantes sendo imaginadas pelo mago, agora verdadeiramente assustado.

— A Shagda deve estar zoando, relaxa — fala o brutamontes.

— Ahan. — O tom dela era malicioso. — Vai nessa.

— Talvez eu não queira lembrar de tudo-tudo... — O mago pelado se vira para o escamoso. — Desembucha, meio-dragão, anda!

"Então, ontem tava todo mundo bebendo de boas na taverna quando de repente chegam os anões de Trawgakkyr. Eles vieram cantando músicas sobre anéis mágicos e montanhas enevoadas, fazendo a maior algazarra, dançavam como doidos! 

"Pelo visto você deve ter se enturmado rápido porque eu te vi discutindo com Niroth, o chefe da comitiva, sobre quem bebia mais.

"Quando Niroth reclamou que vinho era muito fraco para ele, te convidou a viraozoyo, a cachaça dos anões que eles haviam trazido. Três barris depois, o circo pegou fogo. 

"Você bateu boca com Gatryggus dizendo que ele deveria importar aquela bebida, aí ele te deu um socão pra ver se te acalmava. Então você se vingou com magia.

"De repente os barris da viraozoyo ganharam vida junto com todos os copos da taverna, você fez com que todos os clientes do bar tivessem pelo menos um gole. E com essa cachaça, meu irmão, tudo o que você precisa é de um gole!

"Não contente, você deu vida às mesas e montou uma competição de quem consegue ficar montado em uma "mesa selvagem" por mais tempo.

" Você criou uma linha de fogo e desafiou pra ver quem conseguiria passar por baixo estando com a barriga para cima. Você também usou alguma magia que fez o peito de todas as mulheres na taverna dobrar de tamanho.

"Quando o chão começou a tremer, o pessoal olhou meio assustado pela janela. Você colocou asas gigantes na taverna e ela saiu voando por aí. Quando te pediram pra parar com isso, você acalmou todo mundo ao fazer rios de chocolate surgirem das janelas.

"Bom, acontece que uma águia gigante meio que atacou a taverna voadora. Sorte que na queda você usou um tipo de feitiço que transformou todo mundo em mosca e a gente saiu voando antes que a taverna fosse feita em pedaços pela ave.

"Não sei como você reuniu todo mundo no mesmo lugar, mas no meio da floresta, você fez todos voltarem ao normal... ou mais ou menos.

"Você trocou os corpos de todo mundo, foi uma confusão. Homens dentro de mulheres, mulheres dentro de homens, imagina a zona que foi. 

"Não bastasse isso, uma tribo local nos capturou — com todo mundo bêbado, não foi tão difícil. Queriam nos comer vivo, mas você os convenceu de que era algum tipo de deus e que nós dois éramos seus servos.

"Você fez os índios darem uma outra festa, incrível como a maioria do povo da taverna teve fôlego para continuar a beber. 

Felizmente o xamã da tribo fez cada um voltar para seu corpo original. Mas quando você fez os peitos da esposa do cacique crescerem... bem, daí já pode imaginar como viemos parar aqui."

— Vish... — O mago o olhou boquiaberto. — E foi aí que eles me deixaram pelado?

— Não, isso foi antes, você ficou peladão na taverna mesmo. Você ficou dançando ao redor de uma coluna fazendo umas acrobacias esquisitas.

— Ah...

— Mas eu até que gostei da dança.

— Seeeeei... então, né — Agaxis fingiu pigarrear. — Eles disseram o que vão fazer com a gente?

— Nos comer — respondeu a gnoma com uma voz quase entediada.

— Mas que falta de imaginação — suspirou o magrelo. Ele olha para o meio-dragão. — Viu, esses músculos aí são de enfeite? Por que não arrebenta essa corda?

— Já tentei. Tá enfeitiçada pelo xamã.

— Tarde demais... — sentencia a pequenina, olhando para um formigueiro de índios verdes e pequenos invadindo a planície.

Cada um deles carregava uma tocha .

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