Grifo Contra Pégaso

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O frio atacava a ruiva com arrepios teimosos. Um top e uma minissaia nem de longe eram as melhores roupas para viajar em um cavalo voador. Ela costumava ser boa em equitação, mas não fazia ideia de como voar em um pégaso.

Agora que avistou luzes de uma cidade no chão distante, finalmente se preocupou sobre como pousar. Teria que descobrir na marra. Antes disso, decidiu investigar o alforje da caçadora. As duas bolsas nas laterais do equino prateado estavam cheias de armadilhas, cordas, armas e afins. 

Encontrou também um pão élfico, que devorou em uma mordida só. Parecia mingau natalino com molho de amora, um sabor cuja fome desvairada lhe roubou a degustação. Ao encontrar um odre, o virou com tudo goela abaixo. 

Era vodka pura. Um amargor cálido impregnou sua garganta e a língua afogou-se em ebriedade. A moça não sabia se agradecia ou se praguejava. Tampouco tinha certeza do quanto queria ficar sóbria.

Logo tratou de vestir algo peculiar que encontrou: um cinto de couro reptiliano cheio de bolsas retangulares costuradas ao redor. Os compartimentos podiam ser fechados através de botões prateados talhados com floreios dignos de heráldica.

Enfiou nele duas adagas, nove shurikens e um chicote fino com lâminas em formato de garra na ponta. Também coube uma zarabatana retrátil (nem sabia que isso existia, devia ser coisa dos elfos) com dez dardos.

 Pelo cheiro, deviam estar envenenados. Depositou ali uma boleadeira e se surpreendeu ao encontrar uma plumbata: um dardo de trinta centímetros com uma esfera metálica próxima à ponta.

Ela conhecia todos aqueles itens porque seu pai tinha uma vasta coleção de armas em seu casarão. Elizabeth lembrou-se que o conde sempre brigava com ela para que saísse dali, insistindo que aquele não era lugar para uma Lady. A lembrança de Franzzaro outra vez agulhou sua alma.

 Os olhos índigos verteram gotas tristes cujo vento sequestrou para a infinitude da abóbada noturna. Tentando sufocar a memória atroz, ela encaixou a plumbata junto às adagas, em um dos anéis de couro que o cinto tinha de suporte. 

Sua intuição lhe avisou para guardar também o pequenino pergaminho que encontrou. Estava cheio de símbolos geométricos junto a frases em élfico, tudo em tinta azul. Foi então que Elizabeth ouviu um pio longo e aterrador perigosamente próximo.

 Ela sonda os arredores até avistar o vulto de uma criatura alada subindo em sua direção. O luzir amarelado da lua nova revelou asas de seis metros com penas douradas e azul cobalto. Fronte de ave e traseira de leão. A besta vinha como um foguete contra ela.

— Um grifo! — exclamou assustada. Tentou fazer o pégaso virar, mas este ficou muito nervoso com a presença da criatura.

Outro pio intimidador ecoou nos céus. Quando o monstro estava prestes a colidir contra o equino prateado, este subitamente parou de bater as asas. Ele despencou de sua posição bem a tempo, fazendo o rival atravessar o ar acima. Enquanto o grifo se esforçava para fazer a curva, o pégaso mergulhou com tudo para uma floresta lá embaixo. Elizabeth se segurou como pôde.

"Que bom que esse pégaso é inteligente!" pensou ela. "Aquele bicho parece ser muito rápido no céu, mas no chão, as patas do cavalo lhe darão vantagem!"

O grifo, percebendo a estratégia, acelerou as asas e se aligeirou contra o solo. Revirou os olhos durante a caça. "Um pégaso élfico," pensou o diabrete. "Não bastava ser um pégaso, que já é esperto, precisava ser élfico! Eu vou é pedir um extra por isso!"

— Vai cavalinho, você consegue! — encorajou a ruiva, os cabelos ondulados bruxuleando ao vento. Ela abraçou o pescoço da montaria e torceu para não se machucar na aterrissagem.

O equino era veloz. Com uma distância de trinta metros entre eles, o cavalo alado alcançou a grama antes do rival. Ele pousou em um bosque nos limites da cidade. O tranco da aterrissagem deixou Elizabeth sem ar e suas juntas estalaram de dor.

 Mas a corrida agalopada a fez esquecer disso rapidinho. Uma vez na terra, sabia conduzir bem o cavalo. Ela se ajeitou e tomou conta das rédeas, guiando o pégaso prateado por entre as árvores, onde o grifo teria dificuldade para localizá-los.

 Quando a besta quimérica pousou, correu para tentar alcançá-los por entre a vegetação. Os manteve à vista durante alguns segundos, mas não demorou para que sua caça levasse a melhor. O trotar logo se perdeu no labirinto arbóreo.

"Que droga! O chefinho não vai gostar disso," refletiu o demônio. "Mas pensando bem... ele não precisa saber, né? É só dizer que eu não os encontrei. Simples. Problema resolvido! Quem sabe ele me libera mais cedo, he, he..."

Contente com seu plano, o grifo levanta voo para fingir que continuava a patrulhar os céus. Imaginou que deveria se demorar um pouco mais para que sua versão fosse convincente.

Elizabeth freia o cavalo em uma planície púrpura. Um oceano de petúnias a circundava, a brisa fazendo cócegas nas flores com seus afagos insistentes. A jovem então retoma o fôlego sondando os arredores com atenção.

Um sujeito com cara de dinossauro a observava a um metro de distância. Ele possuía o rosto de tricerátopo e pele escamosa. Dois chifres pontudos vinham das têmporas, mas um estava quebrado.

Com três metros de altura, ele tinha uma espada montante (de dois metros) atravessada no coração. Como todo espírito, era invisível para a donzela, embora o cavalo ficasse agitado em sua presença.

"Necromante," chamou o musculoso com sua mente. "Eu a encontrei. Ela está nos arredores da cidade. Quer que eu te indique o caminho?"

Alguns segundos depois, o homem dinossauro ouve em seu pensamento: "Obrigado. Não precisa me dizer nada, apenas continue pensando em mim."

O pégaso pressentiu o que viria a seguir. Do nada, ele empinou relinchando e derrubou Elizabeth no tapete florido. Ela não se machucou, mas ficou bem assustada. Qual não foi sua surpresa ao avistar uma fumaça negra espiralar a três metros dela.

— Você! — ela bufou com raiva ao vislumbrar Etherion se teletransportando à sua frente.


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