O Mundo em Perigo

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O rapaz de olhos castanhos estava arfando quando chegou na ponta do íngreme penhasco. A brisa incessante balançava suas várias tranças e secava o suor de seu esforço. O oceano ao fundo sentia a falta da lua no céu e movia-se agitado.

Etherion vislumbrou a gigante oliveira, toda retorcida em galhos curvos e entrelaçados. Seu tronco de rugas grossas tinha traços de um rosto que parecia dormir há eras.

— Óh, grande anciã! — chama o jovem com um timbre cerimonioso. — Senhora do tempo, guardiã dos segredos! Eu clamo pela vossa presença. Vinde a mim, por favor!

As pálpebras de madeira se levantam, revelando uma luz violeta em seu interior. A cintilação também emanou da boca quando os lábios se mexeram, revelando uma imponente voz feminina.

— Quem perturba meu sono milenar?

— Peço perdão, óh, magnífica — O mancebo se curva em reverência. — Meu nome é Etherion de Jagfagak, filho de Maodron de Jagfagak e Layal de Brazandull. Vim pedir vosso auxílio!

— Maodron de Jagfagak... — A oliveira degusta as palavras com um sabor azedo. — Vós sois filho do servo de Khanzurxos, aquele que inunda de trevas o mundo.

O aprendiz se ajoelha.

— Não me julgue pelos erros de meu pai, eu vos peço! Em nada concordo com seus objetivos, muito menos sirvo àquele demônio!

— Curioso... — a árvore diz lentamente, os olhos perscrutando o rapaz com camisa verde escuro. — Sinto que vós também tendes pacto com a morte. Não somente, mas há uma força ainda mais sinistra que emana de ti...

— Não é minha culpa, é tudo por causa do meu pai. Após a morte da minha mãe, ele me obrigou a estudar necromancia para... trazê-la de volta.

A anciã o observava com um olhar enigmático. Ele retira a luva branca da mão direita, revelando uma garra de ossos que reluziu um verdejar fantasmal.

— Eu perdi minha mão em uma batalha. Quase morri, não fosse pelo poder de meu pai. Mas para me salvar, ele precisou inserir sangue de demônio em mim, além dessa garra...

O mancebo levanta-se. Um sufoco aperta a garganta, mas ele engole de volta. Os olhos umedecem.

— É a mão de um Triungrandrel, um dos seres mais poderosos do Oitavo Abismo. Mas você sabe, demônios não morrem, eles apenas se manifestam aqui. Isso quer dizer que estou... ligado a ele...

Etherion coloca a luva de novo e limpa uma lágrima do olho castanho antes que escorresse bochecha abaixo. Sua voz era chorosa.

— Eu o ouço falar na minha cabeça. Ele quer... que eu mate pessoas, que eu faça os outros sofrerem... E eu não quero nada disso. Achei que podia fugir do meu pai e viver minha vida em paz, mas eu não consigo com essa coisa colada em mim.

— Vós buscais o conhecimento para se libertar dessa maldição — disse a anciã serenamente.

O jovem com colete de couro assente, uma expressão esperançosa no rosto. A sábia fica em silêncio, ponderando por um tempo que parecia interminável. Minutos depois, ela elaborou:

— Etherion de Jagfagak, sabeis bem o que vosso pai planeja fazer, não é mesmo?

— Eu sei... Mas eu...

— Tens consciência de quantas pessoas irão morrer naquele ritual?

— Eu tentei convencê-lo, eu juro! O que posso fazer se ele não ouve ninguém?

— Efebo aprendiz, vejo que desejas tão-somente viver vossa vida. Não há culpa nenhuma nisso. Não obstante, permita-me desvelar o futuro.

De repente o garoto se vê flutuando no alto das nuvens. Ele berra de pavor, mas uma aura violeta o envolve, acalmando-o. 

O mancebo vê um gigantesco símbolo carmesim resplandecer por incontáveis quilômetros no distante chão. As linhas rutilantes provinham de focos brilhando em sete reinos dispostos em formato heptagonal.

O céu é cortinado por espessas nuvens negras, ocasionalmente costuradas por raios escarlates. Um turbilhão de luz vermelhenta se eleva do centro do símbolo titânico, do lugar onde Etherion sabia estar a Fortaleza das Trevas. 

O brilho perfura as nuvens até se condensar em um ponto. Ali se abre em um disco tão imenso quanto o símbolo quilométrico, como se o espelhasse no céu.

Um braço de pelo negro do tamanho de um vilarejo atravessa o portal. Garras afiadas com uma aura rúbida se contorcem em êxtase enquanto uma gargalhada infernal estremece as montanhas.

Etherion grita, subitamente abrindo os olhos. Estava ofegando, parado na frente da oliveira. O vento ainda brincava com suas tranças.

— Agora entendes, meu jovem? — a sábia indaga.

O aprendiz não responde, ainda se recuperando da terrível visão.

— Não há para onde fugir — a árvore continua. — Mesmo que eu te ensinasse a retirar essa garra, não haveria lugar onde se esconder do poder de Khanzurxos. O mundo estará condenado se Maodron não for impedido.

O jovem negro retoma o fôlego.

— Eu não sei se quero fazer isso... eu...

— Se o perigo da destruição do mundo não é o suficiente para vós, considere que eu sou o único ser neste plano que sabe como te libertar desse toque das trevas.

— O quê? Está querendo dizer que...

— Sim. — A oliveira foi enfática. — Para ter esse conhecimento, precisarás dar algo em troca. O que eu peço, Etherion de Jagfagak, é que salve o mundo.

— Não! — O rapaz se irrita e perde a compostura. — Eu sou fraco! Eu não tenho como fazer isso, olha pra mim! Sou um mero aprendiz com um azar desgraçado!

— Caso vós escolhas a inação, um aviso: o Triungrandrel irá vos consumir pouco a pouco. Ele vos torturará com visões e pesadelos até sobrepujar vossa força de vontade e vos dominar. Serias nada mais do que uma marionete das trevas.

"Marionete". Outra vez aquela palavra. Essa faísca despertou o fogo da fúria dentro do coração de Etherion. Em silêncio, engoliu a frustração. Ele não demorou a perceber que não tinha muita escolha. Mas não desistiu de argumentar:

— O que você espera que eu faça? Meu pai é muito poderoso, eu não tenho como derrotá-lo!

— Sozinho, não. Mas há quem possa te ajudar. Vós deveis encontrar Meldric — determinou a anciã, ignorando a insegurança do garoto.

O aprendiz quase engasga.

— San Meldric? O guerreiro santo, o herói das lendas? Ele está vivo?

— Sim. Meldric e aqueles ao redor irão ajudar em vossa missão.

— Mesmo que eu aceitasse, como eu iria encontrá-lo? Você sabe onde ele está?

— Siga para o oeste até o reino de Rundrolgog. Lá vós deveis encontrar a donzela com cabelos de fogo.

— Uma ruiva? Tem milhares de ruivas por aí, sabe. Tem como ser mais específica?

— A jovem que te deseja a morte. Ela te levará a Meldric.

Etherion dá um longo suspiro e cobre o próprio rosto com a mão enluvada.

— Só pode estar tirando com minha cara...

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