Os Portais Gêmeos

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Pela distância, levaria aproximadamente dois segundos e meio até a bola de fogo azul alcançar Elizabeth e Etherion. Deu um branco na mente do aprendiz quando este viu a esfera. Nenhum feitiço lhe veio à mente. De imediato, seu instinto soube o que deveria fazer e o quanto isso iria lhe custar. 

Sem tempo para reflexão, o rapaz fechou os olhos, conectando sua mente com a energia demoníaca da mão direita... Invadido por um ódio cuja magnitude estava além de tudo o que já sentiu em sua curta vida, Etherion entrou num êxtase sombrio. Quando abriu os olhos e apontou a mão para o orbe azulado, imensos tentáculos de sangue jorraram dos ossos.

O líquido escarlate verteu furiosamente. Mais rápido que um piscar de olhos, todos os esguichos se espiralaram, formando um tornado. A boca do vórtice cresceu alucinada, engolindo a esfera de vinte metros. O golpe prosseguiu adiante, fazendo curvas no céu, voando em direção a Drayundrakoz. No caminho, o tornado de sangue empreteceu. 

De seu ventre giratório surgiu um crânio líquido cuja forma era totalmente distinta de qualquer animal terreno. Ele tinha vários maxilares que se abriam como que em flor. Tinha pelo menos oito órbitas para olhos e uma miríade de espinhos ao redor, assim como uma juba afiada. Por entre a boca e os olhos, o fogo azulado do orbe recém absorvido brilhava intensamente.

O zumbi de três cabeças voava completamente calmo até avistar esse golpe vir em sua direção. Ele não tardou em abrir a boca e cuspir uma chuva de raios trevosos contra o crânio líquido. O longo tornado se desfez após uma curta resistência seguida de explosão, evaporando em fumaça negra.

Etherion sentiu uma descarga elétrica percorrer todo seu corpo e imediatamente desmaiou. Elizabeth e o garoto continuaram em direção ao solo, levados pelos Devoradores de Sonhos. Embora ela tivesse levado um susto com todos esses eventos, seus olhos lilases ainda estavam focados em Andriax.

No auge do desespero, jamais tão assustado em toda sua existência, o rapaz de olhos azuis estava rouco de tanto gritar. O atrito do ar em seus ouvidos, por ironia, abafava o som de seus berros. A queda era centenária, mas a imagem do chão aumentava cada vez mais. Em meio a um caos de emoções, o ex-serviçal pareceu ter ouvido a voz de Kayara lhe dizendo:

"Coragem, garoto. A luta está só começando."

De repente, Andriax notou que ele não estava apenas caindo, mas sendo violentamente puxado para sua esquerda. A velocidade da queda começou a diminuir mais e mais até que o rapaz começou a voar na horizontal.

— Aqui em cima, moleque! — Ele ouviu a voz de Shagda próximo a si. — Não vai borrar as calças, hein!

Quando olhou para cima, viu a gnoma com um capacete de couro e óculos de aviador (não que ele soubesse o que é um aviador). A pequenina estava voando com seus foguetes e asas energéticas às costas, apontando uma arma muito incomum para o mancebo.

 Ela lembrava uma lanterna com alça, mas com cristais e circuitos incrustados no cilindro. Dela emitia um feixe de luz colorida com anéis elétricos fluindo continuamente. Andriax logo notou que ao ser tocado pela luz, uma aura multicor envolvia seu corpo junto a raios espiralando ao seu redor. Após retomar o fôlego, ele indagou:

— Que bruxaria é essa?!

— É tecnomagia — a criaturinha de macacão azul metálico respondeu. — Essa é uma arma de tração gravitacional. Eu demorei porque tive que montá-la às pressas; ela tá bem rudimentar.

— O que é "gravitacional"?

— Deixa pra lá. — A gnoma rolou os olhos. — Esqueci que você acha que o mundo é plano.

— Cadê a Lady Elizabeth? Ela tá bem?!

— Acabei de vê-la pousando na floresta junto com o necromante. Bora lá agora mesmo!

As asas de luz dourada nas costas de Shagda mudaram de posição, alterando o trajeto de ambos. O fogo roxo das turbinas acelerou, vomitando fumaça vermelhenta pelos céus. Lá no alto, Drayundrakoz não estava nem um pouco satisfeito. 

"Sangue Negro," ele pensou. "Esse pivete tem que morrer; Maodron que o ressuscite depois. Poderei ter problemas se ele invocar esse elemento magno-infernal novamente."

A cabeça direita abriu o maxilar ossudo e apontou para a floresta, na direção em que tinha visto o aprendiz e a ruiva pousarem. Um jato de gás cor ferrugem disparou furioso, muito mais veloz que o fogo azul da cabeça esquerda. 

Inesperadamente, o esqueleto avistou Dronar voando para o ataque gasoso. Antes que Drayundrakoz pudesse reagir, o dragão de trinta metros cuspiu uma rajada flamejante no jato de gás. Foi quase instantâneo: o disparo gasoso inflamou e as chamas fizeram o trajeto contrário até alcançarem o zumbi. Uma imensa explosão estourou em Drayundrakoz.

"Você tava certo, Agaxis! Quem diria que gás pega fogo!" o mago ouviu em sua mente. Ele estava montado nas costas do draggonath, fazendo vários símbolos no ar com as mãos. "Acabamos com ele!" continuou o bárbaro. "Não seja idiota, Dronar," o mulato replicou psiquicamente. 

"Pelo visto o cara é do Nono Abismo, a mesma dimensão do Khanzurxos. Se nem o fogo de Triungrandel queima ele, imagine o desta dimensão. Temos que seguir o plano e torcer pra sorte estar do nosso lado! Vai logo!"

Quando a fumaça da explosão se dissipou, três pares de olhos de fogo azul flamejante focaram no dragão que voava ao seu encontro. A voz tríplice logo praguejou na mente do meio-dragão e do eldrazar: "Vermes atrevidos. Serão esmagados pela sua impertinência!"

"O cara nem se acha, né?" comentou o bárbaro mentalmente para Agaxis. Este não respondeu, se concentrando nos símbolos que estavam agora flutuando como hieróglifos luminosos ao seu redor.

Durante sua trajetória para o gigantesco esqueleto, Dronar já foi abrindo a boca, soltando uma baforada de fogo... negro. "Não pode ser," pensou Drayundrakoz. "Fogo Sombrio! Como esse parasita escamoso...!? Preciso acabar com ele agora mesmo!"

As três cabeças do esqueleto dracônico abriram suas bocas e apontaram para o bárbaro. A cabeça da esquerda cuspiu uma bola de fogo azul, a do meio disparou uma saraivada de raios negros enquanto a direita soltou uma bolha de gás ferruginoso.

— AMRADRAEGASHNAK!! — bradou Agaxis.

Um gigantesco vórtice luminoso apareceu na frente de Dronar, que cessou as chamas e freou bruscamente como pôde. A bolha, os raios e a esfera flamejante atingiram o disco de luz em cheio. E sumiram.

Um segundo depois, outro redemoinho brilhante surgiu a alguns metros acima de Drayundrakoz. Os três ataques foram regurgitados pelo portal, atingindo o esqueleto zumbi de uma vez. Explosão. Uma avassaladora massa de fogo azul e raios negros se expandiu por pelo menos quinhentos metros no céu, ofuscando mais do que o sol.

O barulho foi ensurdecedor, mil vezes maior do que antes. O ar expelido foi tão poderoso que conseguiu empurrar até mesmo o draggonath, com trinta metros de comprimento. Agaxis teria caído se não tivesse usado magia para se segurar nas costas de Dronar, que demorou para estabilizar o voo.

A nuvem cor de ferrugem parecia uma mancha na abóbada celeste. Alguns ossos de dragão em brasa incandescente foram expelidos em todasas direções. Foi tudo o que restou de Drayundrakoz. 

Ziguezagueando por entre as árvores, ainda sob a tração gravitacional, Andriax estava prestes a perguntar para a gnoma sobre o terrível barulho que fez a floresta tremer quando ouviu a voz de Elizabeth em algum lugar próximo:

— Bom, já que é assim, você não me dá muita escolha, Etherion! — Tanto o rapaz quanto Shagda a ouviram esbravejar. — Eu vou te matar aqui e agora, seu maldito!

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