Lavando Roupa Suja

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"Ele matou meu pai," remoía Elizabeth enquanto seguia o necromante por entre uma miríade de corredores sinuosos. "Se ele tivesse sido mais forte, se tivesse fugido ou mesmo enfrentado seu pai, o meu ainda estaria vivo. Ele tem que pagar. Mas... calma... Não aqui, não agora. Etherion tem que sofrer antes. Ele precisa sentir o que é ter o seu pai tirado de você. Eu vou arrancar o coração do Maodron na frente dele. E fazer esse assassino engoli-lo! E só depois... aí sim... eu mesmo rasgarei sua garganta. Olharei em seus olhos enquanto ele agoniza e direi..."

— Que foi, garota? — perguntou o mancebo, pescando Elizabeth de seus pensamentos. Etherion estava olhando para ela, parado a uns quatro metros de distância.

— Hã? Que foi o quê?

As sobrancelhas do garoto negro pesaram sobre os olhos enquanto o canto do seu lábio fez um arco entediado para baixo.

— Faz um tempo que você tá me olhando com cara de psicopata. Até aí tudo bem, você é esquisita por natureza, nem me intrometo. Mas tu começou a andar cada vez mais lentamente. Armadilhas, lembra? Tem que me seguir de perto. Se você pisar no lugar errado, já era.

— Como se você ligasse. Como se você não fosse simplesmente dar risada se eu fosse decapitada de repente por alguma armadilha mortal. Como vou saber que não vai me levar exatamente para uma delas só pra me ver agonizando e sair como se nada tivesse acontecido?

Etherion rolou os olhos castanhos enquanto a ruiva de cabelos longos continuou:

— Tenho que manter distância. Desde quando confio em você? Com os outros aqui é seguro, mas só com você... De ti só espero o pior.

— Ôh, Lady Louca, dá um tempo, vai. Não sei se notou, mas eu não sou você. Presta atenção: você só teme em mim aquilo que existe dentro de si mesma. Acorda. Aprendiz ou não, eu conheço dezenas de maneiras de te matar sem que você sequer desconfiasse. Sem contar que eu tenho uma mão demoníaca — o rapaz balançou a mão direita, então com a luva branca cheia de símbolos arcanos — bem aqui. Se eu quisesse te matar, garota, eu poderia ter feito isso faz um tempão.

A jovem de corpete de couro preto desviou o olhar, bufando sonoramente. Tinha uma contração de nojo no nariz alvo. O jovem de capa e capuz negro continuou, se virando e continuando a andar.

— Se te alegra, não tô nem aí se você morrer. Eu quis te salvar quando te encontrei na pedra ritual. Mas você se cegou tanto pela sua versão dos fatos que recusou ajuda mesmo quando mais precisava. Agora eu já larguei mão. Quer morrer, ótimo. Eu tô fazendo minha parte.

— Não se faça de inocentezinho, Etherion — rebateu a jovem de olhos índigo. — Eu era sua isca. Você ia fugir de toda forma. Eu era apenas a distração que iria fazer todo mundo ir atrás de mim para que você pudesse fugir do seu papai megalomaníaco.

Virando um corredor cheio de altos-relevos demoníacos nas paredes, o rapaz de camisa verde escuro deu uma gargalhada.

— Você é patética, Elizabeth. O mundo está sempre contra você. Você tem que ser a vítima da história, não é? E tudo o que os outros fazem é só para tirar alguma vantagem de você. Quanta paranoia! Incapaz de acreditar em um ato de bondade... eu tenho pena de você.

— Sabe onde enfiar essa sua pena.

— No mesmo lugar onde você precisa enfiar esse seu orgulho!

Etherion parou de caminhar e virou-se para a jovem de camisa branca com mangas longas e pontas abobadadas. Ele retirou o capuz, revelando as fileiras de tranças na cabeça que iam até os ombros.

— Isso... me dê um motivo... — ameaçou Elizabeth.

O jovem de calças bege e botas de couro preto respirou bem fundo antes de falar.

— Esta é minha última tentativa, sua doida. Entenda. Eu nunca quis ser um necromante. Eu fui obrigado pelo meu pai. Isso quer dizer que eu nunca quis fazer a porcaria do ritual de iniciação. Que por acaso envolvia em sacrificar uma virgem. Também não fui eu que escolhi sua maldita carruagem, foi o Brontak. Raciocine: tanto que eu não queria fazer o ritual que eu fui tentar te libertar, não sei se você lembra. Pra avivar mais sua memória, eu não matei ninguém. Eu só tinha que te raptar e foi exatamente isso o que eu fiz. Quem matou seu pai... foi o Brontak!!

— Se você tivesse...

— Cala a boca e ouve, só uma vez! — o aprendiz gritou, se exaltando. — Se eu tivesse o quê?! Fugido antes? Como se eu não tivesse tentado. Se eu tivesse tentado dizer não ao meu pai? Como se eu não tivesse dito! Você não sabe o que é viver como um prisioneiro! Ser constantemente obrigado a tomar escolhas ruins porque seu pai virou um demente que acha que sabe o que é melhor pra você! Acorda, garota, tenta entender as coisas antes de cuspir todo esse lixo pela sua boca!

Elizabeth parecia olhá-lo com um misto de ódio, raiva e pura frustração. Houve um silêncio e o ar ficou pesado. Ambos se encararam, podia-se quase ver chispas fagulhando entre os dois. Então os olhos da ruiva se marejaram. Ela desviou o olhar por um momento, mas logo voltou a encará-lo, ainda sem dizer palavra. Parecia sufocar um sentimento muito explosivo e desgastante.

Etherion suspirou bem longamente. Fechou os olhos e pareceu entender uma coisa.

— Você sabe, não é mesmo? — ele perguntou, por fim. — Lá no fundo, você sabe de tudo isso. Você não é burra, apesar de se esforçar bastante para parecer assim. Você me odeia porque precisa de alguém pra culpar. Precisa de um alvo, algo para externar sua raiva e mirar sua frustração. Imagino que deva odiar meu pai ou o Brontak também. Mas eles não estão aqui. Eu estou. Sou apenas seu bode expiatório.

A garota se virou de costas para ele. Não conseguiu represar tamanho oceano que vazava de seus olhos. Tentou limpar o rosto convulsivamente, mas a suas lágrimas não cessavam de chover. Etherion se aproximou dela e por um instante teve vontade de colocar a mão em seu ombro para tentar consolá-la. Ele entendia aquela raiva, aquele ódio. Era o que ele sentia por seu pai.

Ergueu a mão esquerda e quando estava prestes a pousar a mão no ombro de Elizabeth, um fantasma élfico apareceu bem na frente da garota.

— Ora, ora, o que temos aqui? — indagou Razzun.     

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⏰ Última atualização: Feb 02, 2019 ⏰

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