A Rainha Bem Vestida

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Andriax foi jogado para trás por causa da explosão. A poeira lambeu-lhe os olhos e intoxicou sua garganta. Sentiu a dor das contusões da queda enquanto os pulmões expulsavam aquele pó de cinzas através de uma tosse aguda. 

O rapaz levantou-se com dificuldade, os olhos procurando por Elizabeth. Só havia fumaça à sua frente. Seu coração despedaçou-se em mil quando lhe caiu a ficha do que realmente havia acontecido. Ela se sacrificou... para salvá-lo...

— Andriax!

Aquela voz... viria de sua mente? Ou será que Elizabeth...

— Andriax, eu sei que você tá bem! Levanta e foge, agora!

Não havia dúvida. Era a voz da ruiva.

Quando o cone espiral de fumaça se dissipou, lá estava ela. Levantando-se, ficou de frente para o inimigo, encarando-o. O garoto, agora com o rosto todo maquiado de pretume, ficou maravilhado. Um alívio incomensurável se acometeu, tal como se tivesse sido fisgado de um tortuoso pesadelo. Foi então que ele se lembrou do que a amiga havia lhe dito em cima do dragão...

— Tá bom, sem estresse. Me conta de novo o que você disse pra Anciã te dar essas roupas maneiras. E quantas armas você tem nesse cinto mesmo?

— Aquela tal de Lorendell tinha um bom arsenal naquele alforje. — Elizabeth se pôs a mostrar cada um dos itens de seu cinto de utilidades. — Tenho duas adagas, três shurikens, essa zarabatana com nove dardos, uma boleadeira e um pergaminho esquisito.

— O que é uma shuriken? Nunca ouvi falar disso...

— Olha aqui. — Ela mostrou as estrelas com quatro pontas curvas. — São armas dos guerreiros das sombras, mais conhecidos como ninjas. Eles são tipo espiões mercenários.

— Ah... mas e essas roupas? O que aconteceu com seu vestido branco?

— Aquele crápula do Brontak o destruiu e eu acabei apenas com farrapos. Quando a deusa veio conversar comigo e com o Etherion, ela contou que também estava falando com outro grupo. A Anciã disse onde estavam e que estava emprestando "ferramentas" para que eles pudessem ajudar na missão.

— Ah, sim. Eu nunca sonhei que um dia sequer tocaria na Justiceira da Luz... — Andriax olhou o horizonte e sua mente projetou a imagem de Kayara. Se controlou para que aquele desconforto no peito não lhe arrancasse uma lágrima.

— Obviamente eu quis saber que ferramentas eram aquelas, então ela explicou. — Elizabeth fingiu não notar a tristeza do amigo. Deduziu que essa ainda era uma ferida aberta para ele e que era melhor não tocar no assunto. Deixaria que o rapaz falasse quando estivesse pronto. — A Anciã disse que não poderia emprestar algum item a Etherion devido à sua mão amaldiçoada... Tem algo a ver com choque de energias, sei lá.

— Foi aí que você pediu pela roupa? — Outra vez o garoto apreciou as vestes da amiga.

As botas eram de couro fino e reluzente, cheias de desenhos curvos. A calça era preta, bem colada às pernas. Parecia ser de um tecido elástico que o rapaz jamais viu ou ouviu falar na vida. O corpete também tinha símbolos estranhos sulcados no couro; ele se fechava com cordões prateados em ziguezague. 

Por baixo, uma camisa branca aparentemente normal. As mangas folgadas iam se abobadando até serem presas por braceletes de couro rubro. Estes tinham muitos, muitos símbolos talhados.

A ruiva logo lhe respondeu:

— Não. Eu não estava nem aí para o que eu estava vestindo. Eu pedi uma arma, mesmo. Mas a deusa me disse algo como "sua ira é tamanha que dar uma arma em suas mãos é como jogar uma tocha em um oceano de álcool". Concluindo que eu já tinha "armas demais", ela decidiu me dar algo para me proteger.

— Fico feliz por isso.

— Eu não, mas fazer o que? Em cavalo dado não se olha os dentes, né... A anciã me disse que estas vestes têm magia ancestral dos elfos. Este modelo foi usado por uma das primeiras rainhas elfas em uma guerra há uns trinta milhões de anos. 

"Foi uma tal de Yelrandral Al'gae. Ela unificou os povos élficos contra os demônios ou algo assim. Por isso que essa roupa tem o poder de repelir magia e energia infernal. Uma faca ainda pode atravessá-la de boa, mas acho que posso me virar quanto a isso."

— Que bom! Assim você vai ficar protegida para realizarmos nosso sonho!

— Nosso sonho...?

— Já esqueceu? Fugirmos juntos!

— Ah...

— Podíamos, sei lá, viajar por aí. Ou ir morar em algum lugar no campo...

— Depois pensamos no depois, Andriax.

O rapaz imediatamente ficou cabisbaixo com a resposta. Então, com carinho, a amiga pôs a mão no ombro dele.

— Mas não duvide, nem por um momento, de que estou muito feliz de te rever e estar contigo. Muito feliz mesmo!

— SE MEXE, ANIMAL!! — berrou Elizabeth, tirando o amigo da memória. — ANDA LOGO, SAI DAQUI!

Quando Andriax voltou a si, teve que controlar-se para não obedecê-la de imediato.

— Não vou te deixar aqui! Vem comigo!

— Eu vou depois, sua anta! Não tá vendo que o Etherion tá mirando em você?! Corre logo!

Voando, Shagda alcançou os dois. Respirou de alívio ao perceber que Elizabeth estava bem, mesmo sem entender bulhufas de como isso era possível. Ouvindo a conversa deles, ela logo adicionou:

— Vai embora, moleque! Pode deixar que eu cuido dela! A gente se encontra depois!

O rapaz de gibão laranja (agora todo cinzento devido à poeira) calculou por um momento. A gnoma talvez pudesse tirar Elizabeth dali com sua arma, levitando-a assim como fez com ele. Apegando-se à ideia de que sua amiga poderia escapar dali, Andriax finalmente se pôs em movimento para fugir do local.

Foi então uma parede de fogo esmeralda surgiu bem em sua frente. As chamas se expandiram para os lados, formando um enorme círculo de fogo com Etherion em seu centro. No alto de seu tornado de labaredas esverdeadas, Etherion observava o trio com os olhos imersos em escuridão. De sua boca ainda se ouviam gritos de horror sobrepujados pelo som de outra voz recitando palavras estranhas.

— Desgraçado! — xingou Elizabeth.

— Ele ouviu daquela distância!? — surpreendeu-se a pequenina.

"Por que esse interesse súbito no Andriax?" indagou-se Shagda , a questão ainda lhe martelando a cabeça. "Não tem nada de especial no garoto a não ser a..."

Etherion levantou o braço direito de ossos e suas veias alaranjadas brilharam mais ainda no rosto e no pescoço. O tornado de chamas começou a aumentar de tamanho.

— A Justiceira da Luz! — Shagda gritou para o rapaz. — O demônio sente a presença da espada porque ela tem energia sagrada! É isso o que ele quer, provavelmente para tentar destruir!

— Ele não precisa pedir duas vezes! — Andriax desembainhou a arma. A espada era belíssima, o metal era prateado e a guarda mão parecia ser de ouro. No centro havia uma reluzente pedra azul celeste. — Já tô entregando isso aqui!

Da base do tornado surgiram sete de tentáculos de fogo. A ponta de cada um logo se transformou em um rosto de serpente. Elas ondularam para todas as direções, sibilando um ruído frenético, até que todas concentraram o olhar no exato local onde os três se encontravam.

— Não seja estúpido, Andriax! — a garota retorquiu. — Essa espada provavelmente é a única arma que temos contra ele. Ou acha que depois de obtê-la, ele vai poupar a gente, hein?

— Cuidado!!! — a gnoma alertou.

As serpentes estavam vindo. Todas de uma vez.


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