O Viajante Interdimensional

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O mago estava nu, roncando no meio de quatro bailarinas. O quarto do bordel próximo à taverna estava com várias rachaduras na parede, mas não desabou. A festa entre eles foi tão cansativa que nem uma explosão seguida de terremoto conseguiu acordá-los.

As quatro fêmeas na cama redonda não eram humanas. Além de uma elfa loira, tinha uma mulher com quatro braços, quatro pernas e quatro seios... Também havia uma lupina. Os machos dessa espécie costumam ser chamados de lobisomens. 

Essa dançarina, contudo, dormia curvada em sua forma de loba. A outra era uma mulher verde com pele úmida. Tinha várias serpentes na cabeça (todas dormindo) e uma cauda de cobra substituía suas pernas. Por incrível que pareça, ela também conseguia dançar.

Mas Agaxis não estava sonhando com elas. No meio de uma rocha em um oceano de magma, sua mente projetava uma mulher de pele negra e olhos vermelhos. Seu cabelo era crespo e parecia uma esfera na cabeça, embora reluzisse um tom de sangue.

Ela vestia uma roupa bem justa de couro branco. Os seios avolumados quase não se escondiam por entre o decote em "v" do top. A mulher usava uma lingerie extremamente curta, botas de salto alto até os joelhos e meia-calça arrastão.

Com orelhas pontudas e duplas, dois chifres sinuosos erguiam-se da testa. A ponta da cauda tinha formato de flecha e ficava ondulando. Ela abraçava o mulato, beijando-o com ternura e afeição — algo que ele não sentia há muitos milênios.

— Belle... — ele rumorejava nos intervalos das carícias. — Eu sinto tanto sua falta...

— É um lindo sonho — falou uma voz feminina e imponente. Ela vinha de todos os lugares, menos da súcubus junto ao magrelo. — Pena que precisarei interromper.

A paisagem ígnea logo mudou para um penhasco que encarava o mar. Agaxis estava na frente de uma grande oliveira com um rosto humanoide enrugado no tronco. Um forte brilho lilás escapava por entre os olhos e a boca.

— Que sacanagem! — exclama o sujeito de bigode e barbicha espetados. — Não é sempre que eu consigo sonhar com ela, me devolve pro meu sonho já!

— Eu sou a grande anciã...

— Eu sei quem você é, velhota. Não dou a mínima. Me devolve pro meu sonho antes que eu me force a acordar, anda!

— O mundo corre grave perigo, Agaxis Amadeus.

— Não tenho nada a ver com isso. A culpa é minha, por acaso? — o mago cruza os braços, sua sobrancelha direita quase tocando o alto da testa.

— Não. Mas Khanzurxos é também vosso inimigo. Se ajudares a salvar a dimensão terrena, estareis derrotando aquele que aprisiona vossa amada.

— E acha que eu já não tentei fazer isso durante todos esses milênios? Vencê-lo é um caso perdido.

— Vós amais Belzebelle, não é mesmo?

O homem de cabelos longos e negros fechou os punhos. Seus lábios se contraíram irritados sob o bigode. Detestava ter que falar nesse assunto, ainda mais com uma estranha. Ele não respondeu, limitou-se a fuzilar a árvore com seus olhos castanhos.

A anciã continuou:

— Por amor, não tentaríeis uma vez mais? Mesmo que a esperança fosse pequena, não valeria a pena para tentar tê-la de volta?

Um líquido salgado ameaçou despencar pela face de Agaxis.

— Chega! Você sabe que essa é uma missão suicida! Nem todos os magos de Brazandull juntos conseguiriam sequer arranhar Khanzurxos!

— Se o demônio vencer, vós perecereis junto a esta dimensão! — a árvore alterou-se, sua voz ribombando como tambores de guerra. — Não haverá para onde fugir, todos sucumbirão ante ao terror das trevas!

O sujeito de capa a roxa põe as mãos sobre os quadris e abre um sorriso sarcástico.

— Dane-se. O que o mundo já fez por mim? E aliás... — ele disse ao estreitar seus olhos maliciosamente — estou começando a entender o que você ganha com isso.

— Estais doidivanas? Credes vós que é qualquer motivação egoísta que aviva meus atos?

O magrelo põe as mãos nas costas e caminha alguns passos como se fosse um professor prestes a lecionar na sala de aula.

— Te chamam de Anciã da Sabedoria, Guardiã da Vida, entre outras coisas. Mas nós dois sabemos que você não é uma deusa, porque deuses não existem. Pelo menos não como as pessoas imaginam.

— Não se desvie do assunto, mago. Há coisas mais importantes em jogo.

Ele finge pigarrear.

— Como eu ia dizendo... Eu sei bem o que você é. Há várias dimensões no Multiverso, nós magos sabemos muito bem disso. O que no mundo terreno chamam de deuses ou demônios não passam de seres que habitam outros planos.

— Nem mesmo o amor por vossa amada o fará lutar contra aquele que é vosso maior inimigo?

Ignorando-a, o magrelo continua:

— E como toda criatura, vocês também precisam se alimentar. Demônios consomem a energia dentro das almas. E os chamados "deuses"... — falou ao erguer as duas mãos e fez sinais de aspas com os dedos indicadores e médios — se nutrem das orações de seus seguidores.

— Insinuas que faço isso para manter fiéis? Como podeis ser tão mesquinho a ponto de sugerir algo assim, Agaxis Amadeus?

— As crenças transmitem energia — continuou, agora aproximando-se da oliveira. — Especialmente quando direcionadas a alguém. Se o mundo for dominado por Khanzurxos, os povos venerarão a força bruta. O caos e o terror. Quem é que acreditará na sabedoria?

— És tolo, eldrazar. Este é vosso mundo também. Todos estamos envolvidos nessa catástrofe.

— Quanto apego — ele revida. — Eu posso viajar para outras dimensões. Morar em qualquer outro lugar do Multiverso. E você também. Por que lutar por uma causa perdida?

A árvore abre um sorriso lilás.

— Vós sois um viajante interdimensional. Poderíeis estar em qualquer lugar... Não obstante, sempre acabais voltando para cá.

Os cantos da boca do mulato se contorcem e ele empina a cabeça, tentando ocultar sua raiva com um ar de superioridade.

— Porque aqui é onde tivestes vossas lembranças felizes com ela — a anciã continuou. — Ela fugiu do inferno. Deixou de coletar almas. Quis uma vida somente convosco.

— Que golpe baixo, graveto. Tentando usar meus sentimentos para me convencer a lutar por algo impossível.

— Vós estais cego, mortal. Ao perder vosso amor, perdestes também toda a esperança. Mas há outros por aí cuja perda não vendou seus corações, por isso este mundo ainda tem uma chance.

— Boa sorte com esses otários, velhaca.

— Nos veremos em breve, Agaxis Amadeus.

— Espero que não! — disse, e acordou do sonho.

Ele queria ter continuado ao lado de Belzebelle. Deu um suspiro e se forçou a ancorar no presente. Assim que olhou para as mulheres nuas na cama, decidiu acordá-las para brincar um pouco mais. 

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