II • POLLY DANCE COM O DEMÔNIO • Promessas de Morte

496 112 139
                                    


— Lady Elizabeth? Ei! Acorda, menina!

As pálpebras da ruiva se ergueram pesadas. Uma mesa pétrea acorrentava as mãos e pés da moça. Cheiro de carne apodrecida violentava suas narinas enquanto os olhos tentavam desbravar a escuridão. 

Um tapete de névoa transbordava pelo solo como um rio, iluminado pelo chamejar verdejante de tochas em formato de crânio.

— Eu morri, né? — indagou sem saber a quem, a voz embriagada de exaustão. — Sempre soube que iria para o inferno, mas achei que daria pra me divertir um pouco mais...

— Você está na Fortaleza das Trevas — o garoto de cabelos trançados responde com um tom aliviado.

Ela enfim reconhece o mancebo, mas ainda luta contra uma terrível dor de cabeça.

— Que nome mais brega.

— Eu sei. Meu pai é desses.

Pai. A palavra desenterrou a memória da jovem, turva até então. Uma dor penetrante inunda o peito, lágrimas pesadas aquecem sua face. Um nó se amarra na garganta enquanto os punhos se fecham com força.

— Você matou meu pai... — soluçou com um coquetel de tristeza e ira na voz.

— Eu não matei...

— Mas a culpa foi sua! — ela explodiu, o eco reverberando pelas paredes rochosas. — Você e seu estúpido ritual de não sei o quê!

— Você não sabe nada sobre mim, eu não tive escolha!

— Pro inferno com suas desculpas! — Ela engasgou no próprio choro por um instante. Depois lançou um olhar de desprezo. — Sabe muito bem onde enfiá-las.

Etherion ficou em silêncio. Os olhos castanhos se embrenharam na névoa. A donzela com vestido agora cor de terra olha para a direção oposta e detém seu pranto, engolindo um sabor amargo em seu coração. Ele tenta consolá-la:

— A minha mãe também morreu...

— Eu não quero saber.

— Me perdoe, eu não...

Não. Quero. Saber. Sai daqui.

O mancebo dá um suspiro. Seus olhos ficaram úmidos, mas ele não se permitiu chorar.

— Tá bom. Então talvez eu deva te deixar aqui pro Brontak brincar com você. Eu vim pra te soltar, mas acho que prefere ser torturada mesmo.

Ela permanece em silêncio. Etherion espera uma resposta. A resposta não veio.

— Essa é a parte em que você aceita a ajuda, Lady.

— Vocês dois são farinha do mesmo saco. Se me soltar, a primeira coisa que vou fazer é te matar.

O jovem de camisa verde escuro arqueja uma sobrancelha. Ela não podia estar falando sério.

— Olha, Lady, minha paciência tem limite. Além do mais, eu também quero fugir daqui.

Ela finalmente encara o jovem, um meio sorriso esculpido no rosto úmido de lágrimas.

— Ah, agora entendi. Eu sou sua distração. Ou você iria aproveitar enquanto todo mundo ficaria procurando por mim ou você mesmo se ofereceria pra me procurar. Sou seu salvo-conduto pra fora daqui, né?

— Ôh garota, quer parar de se fazer de vítima? Eu sinto muito pelo o que aconteceu, mas eu não tô a fim de ser obrigado a assistir outra pessoa ser torturada na minha frente.

— Como vai a mão? — A lembrança retornou à ruiva. Desta vez ela abria um sorriso pleno enquanto fitava a mão direita do jovem. Ela ainda estava lá, mas vestia uma luva branca cheia de símbolos estranhos. — É de madeira? Deveria ter colocado um gancho aí.

— Isso não tem graça.

— Espero que tenha doído bastante.

— Como é...?

— Você sempre grita como uma menininha quando sente dor?

Quer parar com isso?

— Me obrigue. Ou aliás, me faça ter pena de um projeto de bandidinho responsável pelo assassinato do meu último parente vivo.

Alfinetado, Etherion vociferou:

— Eu não queria que nada disso tivesse acontecido! Não fui eu que matei seu pai, caramba! Eu nem queria estar lá!

— Se isso fosse verdade, por que não impediu?! — a ruiva contestou no mesmo tom. — Você é pior que aquele assassino, você é um pau mandado, uma marionete dos outros! E graças à sua covardia meu pai está morto!

O rapaz negro era uma tempestade de frustração, seus punhos fechados tremiam. Ouvia-se um estralar bizarro da mão direita sob a luva. Ele fitou a moça como se a espancasse com a mente, apesar de não mover um músculo.

— Você não diz nada porque sabe que é verdade — a garota continuou, ríspida. — Sabe que não veio aqui para me salvar. Veio salvar a si mesmo da sua própria fraqueza.

O mancebo com colete de couro contou mentalmente até dez, os dentes raivosos pressionados uns nos outros com força. Ele respira fundo e dá as costas para a prisioneira.

Os passos de Etherion ressoaram no local. Ao se aproximar de uma parede, ele bate na pedra com a mão direita. A caverna agoniza um estrondo retumbante quando sua pele é fraturada, uma pequena cratera brotando em seu âmago.

Elizabeth leva um susto, o peito inchando-se por um momento. Aquela mão definitivamente não era de madeira... Mas a perda do pai ainda agulhava seu coração, que sangrava impotente perante o carrasco da memória. 

As lágrimas continuavam a regar-lhe as bochechas, embora de sua boca só saísse secura.

— Se eu sobreviver, saiba que você está na minha lista negra, seu inútil.

O jovem alcança um umbral no fim da longa e espaçosa câmara. Ele para antes de atravessá-lo, olha para trás e lança uma expressão azeda.

— Como eu disse, minha paciência tem limites. — Então ele sai e deixa a ruiva ali sozinha, amaldiçoando-o. 

☠☠ NECROFÚRIA ☠☠ Aventura de RPG Medieval 🏹 Ação, Guerra e Magia ⛥Onde histórias criam vida. Descubra agora