Muito Absinto

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A mulher de olhos esmeralda observa um sujeito magro com uma túnica rubra se aproximar. Ele ajeita a capa roxa e se senta à sua frente, uma expressão carismática brilhando em seu rosto.

— Posso acompanhá-la com a bebida?

Se ela estivesse mais sóbria, sua natural desconfiança despejaria um "não" logo de cara. Mas ela não estava.

— Não faz diferença, meu bom senhor. Fique se quiser.

— Dia ruim?

— Digamos que ventos não sopraram ao meu favor.

— Me conte o que aconteceu, desabafar vai te fazer bem.

— Quem é você mesmo? — Um lampejo de sobriedade refulgiu em sua mente.

— É claro, onde estão meus modos? Meu nome é Agaxis de Brazandull... — Nesse mesmo segundo o taverneiro deu um espirro sonoro, soltando um "Mentchira!" e assoando falsamente o nariz. O mulato fingiu ignorá-lo e aumentou o volume da voz no fim da frase: — E qual o nome de vossa graça?

A mulher com traje metálico também fingiu ignorar o taverneiro, bebeu um gole do absinto como se fosse água e declarou:

— Meu nome é Kayara Vondral. Pelo visto essa capa ridícula é moda na cidade dos magos.

Agaxis arqueou uma sobrancelha e forçou o sorriso a não fugir do rosto.

— Já esteve em Brazandull, pelo visto.

— Acabo de voltar de lá. — Uma sombra dolorida nublou a cara da paladina. Ela fez um gesto com a cabeça como se quisesse afastar uma mosca da sua mente. Virou o copo garganta abaixo e foi logo se servindo de mais absinto.

— Sei... mas e então, o que aconteceu?

A guerreira respira fundo e fita aqueles olhos castanhos longamente. Havia uma irritação arraigada em sua expressão que insistia em ceder ao "dane-se, não tenho nada a perder mesmo."

— Eu falhei com os deuses em minha última missão. Como resposta, eles tiraram alguém importante de mim.

— É claro... — O mago estava se controlando para conter sua opinião. Procurou reter o tom irônico o máximo possível. — Os deuses, pois é. Eu sinto muito que isso tenha...

— Tem algum problema com os deuses, magrelo? — Ela conseguiu captar a sutileza do deboche na voz do outro.

O homem de cavanhaque pontiagudo pigarreou nervosamente.

— Não, não. — Ele claramente reprimia uma crise de risos. — Eu? Não, jamais. Eu sou devoto de...

— Você é ateu, não é?

— Droga. — Houve um curto silêncio. — Ficou tão óbvio?

— Ahan. Mas eu não ligo, cavalheiro. Hoje à noite nada mais importa. Tudo o que resta é a minha dor. — Ela vislumbrou a bebida como se quisesse enxergar outra pessoa em seu próprio reflexo.

O mago pôs a mão enluvada na ombreira da mulher.

— Então vamos beber, minha cara. Há várias formas de consolar a dor. — Ele piscou para ela.

Uma gargalhada súbita explodiu da guerreira. Agaxis levou um susto momentâneo, mas então considerou estar no controle da situação. Fitando o copo, com um timbre despreocupado e jovial, a paladina diz:

— Se você ousar encostar em mim de novo eu corto essa coisa minúscula no meio das suas pernas. — Ela arremessou um olhar de uma tonelada para o mulato. — Estamos entendidos, Agaxis de Brazandull?

A mão retorna ao dono, mas não sem um revide azedo:

— Quanta grosseria. E quer saber? Você não me desce. Vá para o quinto dos...

A música para, os fregueses emudecem. Todos os olhares orbitaram um soldado ao lado do taverneiro careca. 

Suor quente chovia de seu elmo, o peito arfava embaixo da armadura. A pressa lhe acometia os gestos. Após recuperar o ar, ele proclamou:

— Cidadãos de Anvelzath, o rei pede vossa atenção! Algo terrível aconteceu!

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