O Recruta Covarde

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— Eu te amo, Andriax! — disse Elizabeth antes de beijar o mancebo longamente. Abraçada a ele no alto de uma colina florida, a ruiva logo emendou: — Você sabe que lá no fundo eu sempre fui apaixonada por você, não é? Eu só não queria admitir...

O rapaz de cabelos curtos e bronzeados sorri, inebriado de felicidade. Ele se ajoelha perante sua amada e toma-lhe a mão.

— Você é a coisa mais linda que aconteceu em toda minha vida. — Ele beija-lhe as costas dos dedos, sentindo a pele aveludada nos lábios. Depois o garoto lhe emana um olhar amoroso ao completar: — Elizabeth Kaellerus... quer se casar comigo?

Antes que a donzela pudesse responder, um vento farfalhou todas flores, fazendo as pétalas coloridas espiralarem ao redor dos dois.

— Perdoe-me interromper, Andriax de Anvelzath — disse uma voz feminina que ressoou no local. — Mas preciso conversar convosco.

Um segundo depois, toda a paisagem ao redor do serviçal borrou-se, incluindo a moça. Ele gritou pela donzela, assustado, mas então tudo mudou. Agora o rapaz estava no alto de um penhasco de frente para o mar, diante de uma imensa oliveira com galhos retorcidos. No seu tronco, um rosto com brilho lilás o fitava mansamente.

— O que está acontecendo?! — desesperou-se o garoto.

— Não tema, meu jovem — respondeu a árvore.

No que o mancebo percebeu que ela falava, imediatamente saiu correndo e gritando. Galhos surgiram da terra e se enroscaram em seu pé, fazendo-o tropeçar.

— SOCOOOOORRO!!! Alguém me ajude!

Se os olhos da anciã tivessem pupilas, elas teriam rolado nas órbitas. A oliveira logo emitiu uma luz violeta que serpenteou no ar até envolver o corpo de Andriax. Todo seu medo desapareceu, substituído por uma calmaria. 

Era como se ele conseguisse ouvir a sinfonia das ondas ao longe, beijando as areias com brandura. Os ramos que o aprisionavam retrocederam para as fendas na terra. O garoto se levantou e olhou a grande árvore ainda receoso, porém não mais assustado.

— Calma, meu querido — começou a oliveira. — Não irei vos ferir. Eu sou a Grande Anciã da Sabedoria e desejo apenas prosear convosco. Tudo bem?

— Tudo... — ele replicou, desconfiado. — Eu... estou num sonho?

— Estavas em vosso próprio sonho, mas eu invoquei vossa forma astral até aqui.

— Forma astral?

— Sua alma. Estamos conversando no primeiro nível do plano astral, o intermediário entre o mundo dos espíritos e o dos mortais.

— Saquei... — o jovem mentiu, um pouco confuso.

A anciã retoma a palavra:

— Andriax de Anvelzath, o mundo corre grande perigo. Um poderoso demônio chamado Khanzurxos trama se manifestar na dimensão terrena, trazendo consigo caos impronunciável.

Os olhos azuis do mancebo ficaram arregalados. Ela continua:

— É preciso deter o necromante Maodron de Jagfagak. Se ele completar o ritual durante o eclipse ao meio-dia de amanhã, o mundo cairá nas garras das trevas.

O moço prendeu a respiração. Um buraco de ansiedade começou a devorar-lhe o estômago. Ele indagou, o desespero ficando cada vez mais nítido em sua voz:

— Isso é terrível! Para onde posso fugir?

— Não há escapatória, moçoilo. A escuridão há de tragar todos os continentes em questão de dias. Não obstante, mesmo que houvesse um refúgio, para lá irias sem vossa amada Elizabeth?

De repente Andriax se lembra dela e sente muita culpa por ter cogitado isso sem incluí-la. Ele questiona, agora esperançoso:

— Você é uma deusa, não é? Então quer dizer que sabe onde ela está? Pode me levar até Lady Elizabeth?

A árvore sorri.

— Posso. Entretanto, peço algo em troca desse reencontro.

— Eu faço qualquer coisa!

— Muito bem. Preciso que ajudes a salvar o mundo.

Imediatamente o garoto se arrependeu do que disse. Ele engoliu em seco e argumentou:

— Com todo o respeito, óh, Grande Anciã... mas eu acho que não sou capaz disso, não...

— Vós subestimais vosso potencial.

— Lá em casa era eu quem chamava a Lady Elizabeth pra caçar os ratos que apareciam, sabe... Eu nem sequer consegui protegê-la daquele assassino! E mesmo sendo tão fácil, também não fui capaz de salvar Sir Kayara da morte... Eu não me orgulho disso, mas sei que sou um covarde.

— Sois jovem e pouco entendes de bravura, meu caro. Todos os corajosos sentem medo. Não há como fugir desse sentimento, mas podeis encará-lo. Coragem derradeira é fazer a difícil escolha de seguir em frente mesmo sentindo medo.

— Eu... eu não sei se sou capaz... na verdade, acho que tenho certeza de que não sou cap...

— Pois eu acredito em vós, Andriax.

As sobrancelhas do mancebo se ergueram. Jamais ninguém lhe disse qualquer coisa semelhante. O rapaz sempre foi um zero à esquerda para tudo na vida. O que o mundo poderia esperar de um serviçal atrapalhado e covarde? Mas agora, com a própria deusa da sabedoria lhe depositando tamanha confiança, uma lágrima escapou de seus olhos. 

Sentiu não apenas gratidão, mas vontade de ser capaz. Andriax nunca quis ser covarde. Seu coração viu ali sua chance para ser algo diferente. Alguém de quem Elizabeth pudesse se orgulhar, alguém de quem ele mesmo pudesse realmente gostar... Uma velha esperança brotou em seu peito, e ele decidiu colhê-la.

O serviçal ainda acreditava que possivelmente iria morrer na primeira tentativa. Mas pelo menos, dessa vez haveria uma tentativa.

— Eu farei o que estiver ao meu alcance para ser digno de tamanha honra, minha divinal senhora!

A oliveira sorriu.

— Pois bem. Agora preste muita atenção no que irei te dizer...


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