RAVEL
Já havia amanhecido há um bom tempo. Sabia disso, pois mamãe, como de costume, em sua inútil tentativa de me despertar, abriu a pequena janela do quarto permitindo que um raio de sol atingisse meus olhos. Ela já me chamara por duas ou três vezes. Fingi estar dormindo.— Passarinho que não deve nada a ninguém já está cantando faz tempo — disse com ternura ao passar por perto da minha cama.
— Só mais um pouquinho — respondi sonolento.
— Nada disso, mocinho, já passou da hora — contrapôs com delicadeza e sentou-se na beirinha da cama.
Senti seus dedos deslizarem sobre minha cabeça afagando suavemente meus cabelos. Entreabri os olhos e a contemplei. A luz matinal perpassava pela janela e parecia repousar sobre ela iluminando seus cachos castanho-claros. Como mel silvestre a fluir através do favo, seus cabelos escorriam de sua cabeça emoldurando seu rosto formando um tênue contraste à sua alva tez.
Lentamente ela escorregou as mãos pela minha testa até chegar ao meu nariz e o apertou fazendo som de corneta com a boca.
— Ah mamãe, a senhora sabe que odeio isso - resmunguei torcendo a boca enquanto coçava nariz. Repentinamente, ela deu um salto e colocou-se de pé, arrancou meus cobertores, puxou o travesseiro debaixo da minha cabeça e arremessou-o contra meu rosto.
— Nem mais um minuto, Rav. Caso contrário, o próximo a vir será o seu pai! — falou com um ar provocativo dando um risinho e espremendo os olhos ao sair do quarto.
Pulei da cama feito um gato, joguei água no rosto e espreguicei-me do lado de fora de casa. O dia estava lindo. O azul do céu se estendia pelo horizonte sem fim indicando que teríamos mais um dia ensolarado e sem o mínimo prenúncio de chuva.
Fechei os olhos, estiquei os braços e ouvi o vento balançando os galhos das árvores fazendo um som reconfortante ao farfalhar das folhas que juntamente com os pássaros, se uniam em um majestoso coral matinal. Uma leve e cálida brisa fez-me sentir um ligeiro arrepio denunciando a proximidade de mais um outono.
Todos os dias a minha rotina diária já estava definida. Primeiro as obrigações chatas tais como dobrar os lençóis e arrumar a cama - o que eu achava deveras inútil, pois, chegada a noite, eu a bagunçaria novamente - e buscar água no poço. Feito isso, eu realizava meus estudos com a minha mãe.
Ela sempre falava que o conhecimento abriria caminho para uma vida feliz e tranquila. Apesar de tudo, eu gostava dos momentos de estudos, afinal, nem ler ou escrever eu saberia se não fosse por isso. "A ignorância é a forca dos tolos", gostava de dizer.
O que eu mais gostava, no entanto, era do treinamento com o meu pai. Ele não falava muito, apenas o necessário. Sempre quando abria a boca para falar, era preciso com as palavras. Ele me ensinava não só técnicas de combate corpo a corpo ou como empunhar uma espada, mas, acima de tudo, como analisar o adversário com a finalidade de encontrar seus pontos fracos.
Papai dizia que quanto mais rápido encontrássemos as fraquezas do inimigo, mais rápido seria subjugá-lo. Outra lição importante que ele jamais esquecia de repetir era a capacidade de encontrar e admitir as minhas próprias fraquezas. "O homem é altivo e orgulhoso, mas o orgulho precede a queda". Assim, se eu soubesse os meus próprios pontos fracos, eu poderia adaptar-me à melhor estratégia para derrotar o meu adversário.
Depois de fazer todas essas observações, ele sempre dizia que o verdadeiro combate é travado primeiro na mente, sendo sempre necessário recorrer à inteligência antes do punho. "Não importa quais forem as circunstâncias, a inteligência sempre superará a força", dizia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Descendente de Anur - Usuário do Fogo
Fantasy#1 Lugar em Fantasia em Os Tops do Ano 2017 Balrók, o Caçador, montado em seu leão de fogo juntamente com mais sete cavaleiros negros invadem o pequeno vilarejo de Nanduque em busca de um grupo de rebeldes fugitivos. Um comerciante local, o tapeceir...