Minutos após sairmos do restaurante, Leo tivera a ideia de irmos ao local em que haveria o festival dos contos onde menestréis, bardos, trovadores e toda sorte de contadores digladiariam por honra e glória, ou, pelo menos, pelo maior número de moedas.
O grande problema era conseguir primeiro a autorização de meu pai.
Com a cara e a coragem, decidimos enfrentar a fera.
— Sr. Mainz — falou Leo com a voz trêmula e não muito confiante —, o senhor me permite ir com o Rav até a ala dos festivais?
Meu pai o olhou com semblante sério. Mas antes que ele respondesse, meu tio colocou a mão em seu ombro esquerdo chamando sua atenção.
— Isso seria ótimo Mainz. Eles poderiam ir enquanto nós passávamos naquele lugar — Tautos falou a palavra naquele lugar mais pausadamente. — Vamos lá, o que de mal pode acontecer?
Papai olhou firme para o homenzarrão. Seus lábios eram uma linha fina.
— Vamos amor — interveio mamãe —, deixe os meninos se divertirem um pouco. Rav jamais veio à cidade, nunca esteve no meio de tanta gente. Ele está curioso. O instinto explorador herdado de seu avô aflorou nele. — Ela se aproximou de papai sorrindo e segurou em seu braço direito enquanto contraia o rosto por causa do forte sol. Suas palavras escorriam como favos de mel. Doçura era seu codinome. Não há penha dura o suficiente que não esmoreça ao toque e ao sorriso de uma bela mulher.
A carranca de meu pai aliviou-se um pouco diante de tanta ternura.
Leo e eu ficamos na torcida.
— Deixe-os ir, Mainz, afinal, vir em Doran no grande Dia dos Contos e não participar do grande festival é como provar um delicioso manjar sem ao menos ter língua — argumentou meu tio e depois chupou a própria língua fazendo um estalo.
Meu pai fez expressão de desentendido ao ouvir o argumento de Tautos. Nem preciso dizer que ele era péssimo com as metáforas. Preciso?
— Eles são apenas crianças — continuou o homem de barba e cabelos desgrenhados —, não os negue um pouco de diversão. A cidade está repleta de gente, lembra de como nos divertíamos no dia dos contos?
— Por isso mesmo não acho uma boa ideia — respondeu papai, seco. — Além do mais — falou e deixou a voz morrer fazendo um curto silêncio —, pode ser p...
— Rá! Mainz... fique tranquilo — interrompeu-o Tautos antes que concluísse espalhando o ar com as manzorras —, afinal de contas, ele estará com o Leokus, que conhece a cidade do focinho à cauda.
— Isso mesmo — anuiu Leo enquanto balançava a cabeça. — Prometo que não nos meteremos em problemas — assegurou, agora, com certa confiança.
Meu pai fulminou-o com o olhar que parecia dizer-lhe algo, algo que só Leo parecia entender. Feito isso, cedeu.
— Está bem — concordou, contrariado. — Estejam no arco de pedra antes do início do retorno do sol. Vamos embora antes do anoitecer.
Tautos cerrou o punho e esmurrou levemente o ar em sinal de comemoração enquanto batia levemente nos ombros do meu pai com a outra mão.
Minha mãe colocou a palma da mão embaixo do queixo, deu-nos uma piscadela e jogou-nos um beijo.
— Divirtam-se meninos — despediu-nos com alegria.
Com o coração quase explodindo de alegria e excitação, segui com o Leo cortando ruelas e vielas para a parte da cidade onde o festival estava acontecendo.
Não muito depois de partirmos, enquanto caminhávamos, fomos abordados por mulheres trajando vestidos coloridos, adornadas com dezenas de anéis, pulseiras e colares.
Conforme se moviam, dava para escutar o tinir dos apetrechos chocando-se uns nos outros as fazendo parecer com chocalhos ambulantes.
Ao todo elas eram quatro e usavam saias longas, rodadas e fartas, que desciam até os tornozelos. As blusas de meia manga, com decote em vê não muito baixo, revelavam, ao mesmo tempo, recato e sedução. Duas delas, mais velhas, usavam uma espécie de véu nos cabelos deixando escapar apenas um rabo atrás. As outras duas mais novas mantinham os cabelos singelamente fixos em uma tiara, prendendo-os na parte de cima, mas deixando-os cair por sobre as orelhas.
Elas estavam em frente a um carroção semelhantemente colorido e enfeitado.
Mais a frente do carroção, estava montada uma ampla tenda toda decorada com símbolos e mais um tanto de enfeites suspensos. Na parte frontal um punhado de ferraduras dependuradas juntamente com centenas de moedas coladas diretamente no tecido. No centro tinha uma bandeira bordada no tecido em duas cores: verde embaixo e azul em cima. No meio, uma roda de carroça dourada roubava a atenção.
As mulheres seguraram nossas mãos e começaram a nos puxar até a entrada da tenda. Um tapete vermelho estendido no chão conduzia à porta que era coberta por um véu púrpuro de seda quase transparente.
— Vamos, entrem. Conheçam sua sorte! — disse-nos uma das mulheres que me segurava pela mão.
Ao observá-la melhor, notei que se tratava de uma jovem de não mais que quatorze anos. Olhos verdes e vivos, cabelos cor de cobre e tez bronzeada.
Eu queria me desvencilhar, soltar a mão, mas não pude fazê-lo.
Parecia que eu estava sob alguma espécie de feitiço que me paralisara e tirara-me os sentidos.
— Rav... — chamou-me Leo sem sucesso. — Ravel! — falou ainda mais alto atraindo a atenção dos meus olhos. — Vamos embora. Vem!
Fez sinal com a mão para que eu fosse até ele demonstrando pouco interesse em entrar na tenda.
Eu, porém, estava curioso. Era um mundo novo para mim. Sem contar que nos últimos três mil anos eu não tinha tido muito contato com o sexo oposto.
— Não. Eu quero ver! — rebati de forma enérgica.
Leo chegou bem perto e disse nos meus ouvidos:
— Elas só querem o seu dinheiro.
Em resposta, a jovem que me segurava pelas mãos se aproximou perto o suficiente para que eu sentisse o calor de seu hálito fazendo eriçar os pelos da nuca e falou quase num sussurro:
— Entre. Conheça o seu futuro belo rapaz.
Olhei para cima e percebi que no umbral da entrada, acima do véu, estava fixada uma tabuinha envernizada com o nome Madame Odem talhado em letras grandes.
Em seguida, uma força desconhecida pareceu me puxar para dentro.
Curiosidade.
Quando percebi, já estava no interior da tenda.
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O Descendente de Anur - Usuário do Fogo
Fantasía#1 Lugar em Fantasia em Os Tops do Ano 2017 Balrók, o Caçador, montado em seu leão de fogo juntamente com mais sete cavaleiros negros invadem o pequeno vilarejo de Nanduque em busca de um grupo de rebeldes fugitivos. Um comerciante local, o tapeceir...