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A superfície úmida e gélida do chão de pedra me fez despertar de um sono profundo. O ambiente sombrio e silencioso deixando-me completamente sem pistas de onde eu poderia estar.
Na altura de uns cinco metros pequeninos pontos na parede do tamanho de um olho humano permitiam a entrada de ar e com ele pequeninas réstias solares. É dia, conclui, completamente desorientado sobre noções de dia, noite ou horários.
Paredes rochosas me cercavam por todos os lados. Estou em uma cela? Os braços fracos e doloridos quase não suportaram apoiar o corpo para que eu pudesse me sentar. Sem correntes, mãos e pernas livres, porém, isso não fazia diferença alguma já que o peso da própria cabeça era demasiadamente penoso para mim.
- Você está bem? - A voz firme ecoou pelo recinto. Procurei por sua origem, mas estava atordoado demais para encontrar. - Adianto que não é do meu agrado mantê-lo aqui desse jeito, mas os últimos eventos me forçaram a isto...
As vistas ainda embaçadas prenderam-se a dois pontos luminosos como brasas em meio às sombras.
- O-O q-que você quer de mim? - perguntei, reconhecendo quem estava sentado adiante. A voz um sucinto e estremecido lamurio.
O homem chegou com a cabeça para frente fazendo com que os dois olhos incandescentes se destacassem nas sombras.
- Não se esforce muito. Poupe suas energias para que se recupere mais rápido - recomendou em tom sereno. - Ele meteu a mão dentro de sua capa e tirou de lá um odre. - Toma - disse estendendo a mão em minha direção. - Beba isso!
Imediatamente a lembrança do mesmo homem entregando-me a fruta do dragão surgiu na memória.
Embora a língua estivesse grudada no céu da boca de tão seca que estava, cerrei o cenho para ele recusando sua ajuda. Pensa que me enganará outra vez? Aquela figura dissimulada não me convenceria tão facilmente desta vez.
- Entendo - falou em resposta. - Provavelmente sua cabeça deve estar cheia de informações imprecisas a meu respeito, mas com o tempo isso irá mudar - assegurou com confiança guardando o odre dentro da capa. Tarus empertigou-se sobre o banco de madeira e deixou a coluna ereta. - Ainda estará aqui caso mude de ideia - disse assinalando para a capa com o dedo.
- Se quer tanto me ajudar, então porque me mantém como um prisioneiro? - questionei com voz fraca lutando internamente por não ter aceitado a oferta.
Sua expressão assumiu uma forma de quem parecia surpreso com a minha pergunta.
- Ora, não posso deixar um assassino famoso solto assim sem mais e nem menos - declarou enrugando a testa levemente.
Sua afirmação causou-me uma sensação gelada na boca do estomago.
- Não sou assassino - rebati prontamente.
Tarus alisou com a mão o queixo de sua face escanhoada como se estivesse refletindo em minha afirmação.
- Então o que você é? - perguntou.
Emudeci diante da pergunta. Eu não tinha a resposta. Nem sabia quem ou o que eu era.
- Você não tem ideia, não é mesmo? - Mais uma vez a confusão assaltando-me a mente. - Eu não o culpo. Afinal, você tem sido apenas um títere nas mãos de um exímio titereiro - assinalou. - Ainda assim, você precisa se responsabilizar pelos seus atos, por todo o mal e destruição que causou até agora.
- Do que você está falando? - indaguei, completamente desorientado e confuso a respeito das alegações do imperador.
- Hoje a noite será o seu julgamento - afirmou. - Então você saberá do que eu estou falando.
- Julgamento? - A incompreensão tomando-me por completo.
- Sim! - respondeu. - Hoje a noite você será julgado por assassinato, conspiração e traição contra Toren e o Império.
- O quê? - A voz saiu embasbacada.
Fiquei congelado com a informação. Assassino e Traidor, eu? Continuei sem entender como poderia ser acusado de tudo aquilo. A mente fervilhou sem compreensão.
- É mentira! - aleguei, crendo ser tudo aquilo apenas um engodo, mais uma mentira inventada com o objetivo de me manipular. - Como posso acreditar em alguém que até agora só mentiu para mim?
Tarus negou com a cabeça e se colocou de pé.
- Eu lamento que as coisas estejam acontecendo desta forma. Eu mesmo esperava conhecê-lo em outras circunstâncias. Mas nem tudo é como a gente prevê, não é mesmo? - Ele olhou para mim com os lábios espremidos e mais uma vez tirou o odre de dentro da capa depositando-o próximo aos meus pés. - Eu espero que tudo seja resolvido e o verdadeiro culpado por tudo isso seja punido.
Tarus virou-se de costas e caminhou até uma porta de ferro encrustada na parede frontal da cela. Imediatamente os guardas que o aguardavam do lado de fora destravaram e abriram a porta ao sinal do imperador que, antes de cruzar a saída, virou o rosto por cima do ombro, ainda de costas, e disse:
- Eu só espero que a justiça seja feita e eu tenha de volta aquilo que fora roubado de mim! - disse e se apressou para sair da cela.
Sua voz saiu melancólica, quase fúnebre. A expressão igualmente transmitia isso.
- E o que foi que roubaram de você? - questionei por puro impulso antes que a silhueta do imperador atravessasse a porta de ferro. Tarus parou no mesmo instante, mas permaneceu em silêncio por alguns segundos sem se virar.
- Eu preciso ir - afirmou ainda de costas, esquivando-se da minha pergunta. - Tenho assuntos prementes para tratar. Nos veremos mais tarde.
Sem dizer mais nada, Tarus avançou abandonando a cela e o portão se cerrou novamente em um barulho metálico, deixando-me sozinho e reflexivo sobre toda aquela conversa.
Logo em seguida, abandonei o orgulho, tomei o odre e examinei cautelosamente o seu conteúdo. Água, reconheci, agradecido. Entornei o recipiente sobre a boca até derramar a última gota e fiquei angustiado ao notar que a sede ainda estava ali.
Tentei levantar-me, mas não pude. Lembrei-me do que ocorrera quando enfrentei o imperador e a imagem de sua mão sobre a minha cabeça sugando minha força em pequenas linhas vermelhas se sobrepôs. Ele extraiu as partículas do fogo do meu sangue, compreendi, assombrado com tal técnica. Por isso estou me sentindo tão fraco!
Olhei ao redor e tive a sensação de estar numa caverna intransponível. Sem forças para esboçar qualquer reação, nem ao menos conseguia ficar de pé, resolvi ficar ali, sentado e reflexivo sobre tudo o que estava acontecendo naquele momento e aguardando impacientemente até que a noite chegasse e eu fosse levado para o julgamento.
Assassino e Traidor, eu?
Respirei fundo e no mesmo instante as palavras do imperador reverberaram em minha cabeça: "Hoje a noite você será julgado por assassinato, conspiração e traição contra Toren e o Império."
Mais uma vez puxei o ar até encher os pulmões ao mesmo tempo em que sentia a perfuração de inúmeras aferroadas no coração enquanto combatia a fraqueza, a fome e a confusão mental que me assolava. Mas o dia avançou célere trazendo consigo a noite em seu encalço. Cada vez mais próximo estava o momento em que seria julgado por acusações das quais eu não havia cometido. Pelo menos era o que eu achava até aquele momento. E assim permaneci, até estar diante dos fatos avassaladores que arrancariam a minha paz e lançariam minha alma no mais profundo abismo escuro e sombrio.
Continua...
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Pois bem... Vamos às teorias. Alguém se arrisca?
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O Descendente de Anur - Usuário do Fogo
Fantasía#1 Lugar em Fantasia em Os Tops do Ano 2017 Balrók, o Caçador, montado em seu leão de fogo juntamente com mais sete cavaleiros negros invadem o pequeno vilarejo de Nanduque em busca de um grupo de rebeldes fugitivos. Um comerciante local, o tapeceir...