Revelações

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Meus olhos deslizaram-se ligeiramente por um vasto monólito branco que se estendia pela imensidão de uma montanha.

As vistas percorreram vertiginosamente por alguns segundos de baixo para cima perpassando a extensa parede alva como se fosse atingir o topo. 

Subitamente uma ruptura em sua superfície formava uma espécie de alcova cujo interior era todo tomado pela escuridão.

Uma força invisível me puxou para o centro do negrume adentrando as densas sombras onde não havia nenhum feixe de luz. Era como se agora eu estivesse dentro de uma enorme caverna onde apenas as trevas me envolviam. 

Um ar cálido e acre infiltrava-se pelas narinas enquanto uma estranha sensação de tremor transcorria todo corpo fazendo borbulhar o estômago.

O cheiro azedo foi ficando cada vez mais evidente conforme eu ia sendo sugado para dentro do envolvente manto negro. Ligeiramente o odor distinguil-se assemelhando-se à essência de um limoeiro.

Aos poucos ia me sentindo sufocado, como se o ar fosse me roubado dos pulmões, ou, ainda, como se não tivesse mais forças para puxá-lo. 

No silêncio absoluto uma respiração compassada e profunda se fazia ouvir. Uma sensação quase que de desespero deixara-me com as pernas moles e o corpo languido. Talvez eu devesse voltar para trás, correr dali, mas todas as  forças haviam me abandonado por completo. 

Em meio à escuridão, as densas trevas foram interrompidas pelo abrir de enormes olhos cinzas brilhantes à distância de dois passos. Não eram olhos humanos. Não se pareciam com nada que já tivesse visto antes. 

Abertos os olhos, eles me fitavam, não como se apenas olhassem para mim, mas como se pudessem descortinar minha alma e revelar meus pensamentos. Uma sensação estranha me sobreveio como se desde sempre aqueles enormes olhos cinzas estivessem sobre mim, me observando, me penetrando. 

Um medo incontrolável sobrepujou minha mente e assaltou meus sentidos dando-me tamanha impressão de impotência diante daquele enorme e misterioso ser. 

Isso se prolongou durante alguns segundos e em seguida uma voz poderosa ecoou ricocheteando nas paredes da caverna parecendo encher todo o lugar: 

"Eu vejo você!" 

Depois disso eu acordava molhado de suor e com a mesma sensação de sufocamento. Demorava alguns minutos para que pudesse voltar à normalidade. Já estava acostumado com isso. Desde que me lembro vinha tendo o mesmo sonho. 

Papai demonstrava-se bastante incomodado com tudo isso, mas nunca tocava no assunto. Mamãe, por sua vez, dizia para eu não temer, pois aquilo era obra do Planejador e que no tempo certo eu entenderia a visão. Sempre acreditei que ela dizia isso mais para me tranquilizar do que qualquer outra coisa. 

Levantei-me e fui para fora, como de costume, com o intuito de recuperar o ar. Sempre depois desses sonhos eu perdia o sono. 

O sol ainda não havia atingido seu fulgor matinal, mas deslocava-se morosamente para o oeste após sair de trás da majestosa lua, que reinava imperiosa pelo vasto céu ainda escuro salpicado por pequeninos pontinhos luminosos.

A contemplação daquela imagem adicionada à serenidade muda da alta noite fez com que eu aos poucos me acalmasse. Ainda restavam algumas horas para o alvorecer, no entanto, sabia que não voltaria mais a dormir. 

Pouco a pouco fui tomado por uma ansiedade gostosa. Enfim, em poucas horas deixarei Anzare com destino à Doran, a grande cidade do norte!

Como a viagem seria um pouco longa e sairíamos no início do dia logo após o sol atingir o oeste e começar a se deslocar para o centro do céu, decidi antecipar os arranjos para a jornada. 

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora