O ruído fluido como o som de água corrente foi a primeira coisa que ouvi ao despertar. Um sacolejar suave balançava o meu corpo de um lado para o outro causando-me náuseas.
Tentei abrir os olhos lentamente, mas a claridade me impediu.
Fiz sombra com a mão direita sobre os olhos e os abri lentamente. No mesmo instante em que movimentei o braço uma dor aguda latejou trazendo-me à memória as cenas vívidas da batalha.
Onde eu estou?
Mal enxergando em decorrência do clarão forte, esfreguei os olhos com a outra mão a fim de desanuviá-los. A imensidão azulada brilhava em seu resplendor matinal.
Com as vistas espremidas, notei uma silhueta à frente. Atordoado e desorientado, em vão esforcei-me na tentativa de identificar quem era.
Aos poucos a consciência foi se revigorando e as vistas foram se adaptando à claridade até que eu pudesse manter os olhos abertos com certa regularidade. Meu corpo inteiro doía. Parecia que um carvalho gigante havia caído em cima de mim umas quarenta e nove vezes.
Morosamente as cores foram sendo distinguidas pela visão a ponto de reconhecer o homem de costas sentado mais a frente. Vários cortes borrados com sangue seco rasgavam sua pele queimada do sol entrelaçando-se com outras linhas prateadas — marcas das batalhas anteriores.
Apoiando-me com a mão esquerda, sentei sobre uma superfície dura. Constatei com as mãos que tratava-se de madeira. Nós estávamos em um pequeno barco, quase uma jangada para ser mais específico.
A única vela em formato triangular se prendia com força ao pequeno mastro que a sustentava. O vento enfunava o tecido branco impelindo-nos para frente em velocidade considerável. Na extremidade do mastro, onde a curva graciosa do triangulo fazia um formato parabólico afunilando-se até o vértice, pendia uma pequena flâmula em cujo o interior havia o símbolo de um feixe de trigo.
— Você está bem? — soou por trás uma voz conhecida.
Virei-me de pressa e alegrei-me ao ver que Leo estava bem. No mesmo instante recobrei a memória sobre a batalha e a imagem da minha mãe iluminou-se na mente.
— Minha mãe? — perguntei aflito.
Leo encolheu os ombros.
— Eu acordei há alguns minutos — respondeu. — Já estávamos aqui.
Leo estava com o tórax todo enfaixado. Sua perna também, mas uma ripa estreita acompanhava sua tíbia com as pontas escapando das faixas imobilizando por completo o que parecia ser uma fratura.
De relance olhei para o próprio corpo e percebi que meu tórax estava enfaixado semelhantemente ao dele. Também tinha duas pequenas hastes de madeira estabilizando como talas o úmero e a ulna do meu braço direito.
Sem me importar com meus ferimentos, girei o corpo de pressa e caminhei agachado até onde estava o meu pai.
— Minha mãe? — questionei. A voz saiu falha, quase sem volume. Era como se eu perguntasse sem querer saber, temendo o pior.
Ele virou o pescoço de lado fitando-me por sobre o ombro direito.
— Você está bem? — perguntou revelando sua tão conhecida serenidade.
Aquiesci, por impulso. Só uma coisa importava para mim naquele momento.
Vendo minha inquietação, papai apontou o dedo da mão direita para um espaço no barco.
— Ela está ali.
No lugar onde ele apontara, havia uma espécie de casulo num formato semelhante à casca do arroz, só que em uma tonalidade verde clara com nuances amareladas.
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O Descendente de Anur - Usuário do Fogo
Fantasi#1 Lugar em Fantasia em Os Tops do Ano 2017 Balrók, o Caçador, montado em seu leão de fogo juntamente com mais sete cavaleiros negros invadem o pequeno vilarejo de Nanduque em busca de um grupo de rebeldes fugitivos. Um comerciante local, o tapeceir...