Trovadores, Bardos e Menestréis

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Chegando à ala onde o festival estava ocorrendo, percebi que havia dois setores, um a oeste e outro a leste. O primeiro com entrada aberta ao fluxo de pessoas e o segundo com a entrada protegida por guardas, os quais permitiam o ingresso apenas de um punhado de gente.

— Por que existem duas entradas? — perguntei para o Leo. A essa altura, já me sentia menos desconfortável em perguntar certas coisas a ele.

— Aquela — Apontou para a entrada onde estavam os guardas — é a entrada dos Puriam. Aquela...

Púniam? — questionei interrompendo-o.

Puriam — corrigiu-me com delicadeza. — Puriam é a forma como é chamada a alta classe toreana. O chefe de um clã é um puriam, os grandes proprietários de terra também são chamados assim e daí por diante. Já os pobres ou sem chão, são chamados de Noriam. Puriam significa Os Puros, em anurenho antigo. Já noriam significa Os Sem Nada, também em anurenho antigo.

— Ahhh! — exclamei impressionado.

— Bom, como eu ia dizendo — continuou —, aquela é a entrada dos puriam. Aquela outra — Apontou para entrada que ficava à esquerda —, a entrada dos noriam.

— Qual delas é a nossa? — As palavras saíram por impulso.

— Não sei se você percebeu seus trajes — disse ele, olhando-me de cima abaixo —, mas comparando seus trajes com ambas as entradas, a qual você sugere pertencer?

Só aí então percebi o óbvio. Léo e eu vestíamos cinza. Nada de frisados ou vestuários dispendiosos. Nada de chapéus ou bengalas. Nada de tecidos nobres ou de primeira linha. Apenas cinza, e cinza desbotado, por sinal. Acabara de descobrir que eu era um noriam.

Aqueles, porém, que adentravam pela porta mais à direita, vestiam-se com diversas cores, reunindo uma amálgama de elegância e requinte. Não que as vestes eram todas coloridas, não, não é isso. Reparando bem era claro que cada um vestia-se no máximo com duas cores, embora várias cores fossem representadas na soma do total.

Outra coisa que percebi, foi que todas as pessoas que entravam na ala direita, primeiro apresentavam um medalhão pendurado ao pescoço, o qual era rapidamente avaliado pelos guardas na entrada, que em seguida os deixava entrar.

Resignado, aceitei meu destino e avancei juntamente com o Leo pela entrada oeste. Já ao passar pela entrada percebi a dificuldade de andar devido ao aglomerado de gente. Como eu não era digamos... avantajado fisicamente, conhecendo as minhas dificuldades impostas por minhas limitações, fui acompanhando o Leo que nos guiava pela multidão abrindo caminho.

Mais a frente, chegamos a um lugar onde existia vários núcleos espalhados em cada canto, cada um com um amontoado de gente em volta e um contador no meio. Os contadores não pareciam em nada com os que ouvira nas histórias contadas por mamãe. Eles eram elegantes, graciosos e requintados nas histórias. Esses, no entanto, pareciam rudes, despenteados e maltrapilhos.

— Esses são os contadores? — perguntei baixinho com ar de deboche.

— Sim. Por quê? Não era o que você esperava?

— Não! Quer dizer... — continuei vacilante —, eu tinha outra ideia sobre como eram os menestréis, bar...

— Menestréis? — interrompeu-me Leo. — Menestréis você encontrará apenas na outra ala, aqui não! — disse balançando a cabeça negativamente.

Minha expressão era pura confusão.

— Olha em volta Rav — falou gesticulando com a mão. — Nem todos aqui podem viver apenas de contação. A vida de um artista é deveras dura. Ser um menestrel, bardo ou trovador exige o patrocínio de um mecenas, um alto puriam. Não é todo o dia que se encontra um — concluiu, desapontado.

Eu acenei com a cabeça demonstrando ter compreendido.

— Muitos destes contadores são conhecidos meus. A maioria deles vive de outra forma... De um jeito bem menos artístico, se é que me entende. Ainda que o grande sonho de muitos deles fosse viajar o mundo contando suas histórias e contos, na vida real eles precisam assumir outras atividades para conseguir o sustento de suas famílias. Está vendo aquele ali? — Apontou o dedo para um homem em cima de uma plataforma de madeira. — Aquele é o Rump, Olho de Peixe. Se quiser conhecer histórias sobre as grandes expedições marítimas, ele é a pessoa mais indicada. Ele é pescador.

— Hum... — Assenti com a cabeça.

— Está vendo aquele outro? — Fez sinal para um homem que estava atrás de mim. Eu me virei e vi um homem alto, um metro e noventa mais ou menos. Ele tinha os cabelos cinza compridos escorrendo pelos ombros. Com bigodes finos e uma barba que descia pelo seu queixo ia afunilando-se até uma aguda ponta. Sua aparência era de uns sessenta anos, não mais, nem menos.

— O nome dele é Gailard O'dal. Ele já foi um alto guerreiro — falou com certo entusiasmo. — Lutou pelo exército de AnToren, mas foi dispensado. Agora ele tem que se virar para sustentar sua mulher e seus onze filhos.

— Onze filhos? — indaguei boquiaberto.

Leo deu de ombros.

— Ali! — Apontou em direção a um homem jovem, uns trinta anos, magro feito uma vara, que falava e gesticulava de maneira bem espalhafatosa.

Fiz que sim com a cabeça.

— Também era guerreiro?

— Guerreiro? — Leo abriu um sorriso engraçado com feição de surpresa e deboche ao mesmo tempo. — Guerreiro não, um lunático! Ninguém conta histórias como ele. Vamos até lá!

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora