Fogueira, Música e Dança

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Chegamos à noitinha em Anzare, a meio caminho do sol antes que se ocultasse atrás da lua.

A rainha do Céu, como é conhecida em Toren, majestosa, já reinava emanando seu fulgor prateado retendo firme a escuridão noturna, que vagarosamente avançava como tapete estendido por sobre nossas cabeças.

O som da queda das águas ao escorrerem por entre as fendas rochosas das montanhas, somando-se ao ruído das correntes do rio Kulan, produzia uma espécie de melodia, que cantada por pássaros notívagos e acompanhada pelo coral acrídeo, compunham a canção de boas vindas.

O ar bucólico da vida no campo e o cheiro doce da relva molhada pelo sereno formavam uma espécie de recepção de acolhida aos viajantes cansados e doloridos da longa viagem.

Nunca imaginei que uma jornada de quase três horas sobre o dorso de um equino me deixaria tão desconjuntado.

À direita do caminho uma pequena campina contornada por frondosos álamos campestres revelava uma casa no centro. Um jardim pequeno entrecortado por uma estreita aleia de pedra esbranquiçada formava um caminho até um amontoado de lenha envolta por um clarão alaranjado.

Um punhado de pessoas rodeava a fogueira cantando alegremente ritmados ao som do bandolim.

Pão, manteiga. Caneco, cerveja.

Música, dança. Barriga, pança.

Quem é que consegue parar?

Quem é que consegue parar?

Bata os pés até o chão tremer.

Sorriso na boca é o que quero ver.

Ao nos aproximarmos fomos contagiados pelo ritmo frenético e dançante entoado pelos velozes dedos do Sr. Loan, pai do Leo, ao deslizarem céleres pelas cordas do bandolim enquanto todos em uma só voz cantarolavam a Canção do Taverneiro.

Arroz, pequi. Fruta, Caqui.

Balada, donzela. Taverneiro, manguela.

Quem é que consegue parar?

Quem é que consegue parar?

Bata os pés até o chão tremer.

Sorriso na boca é o que quero ver.

Apeamos dos cavalos e seguimos até o festejo. Uma mulher gorda com dentes compridos recebeu-nos com um sorriso largo. Embora estivéssemos muito cansados da viagem, o ambiente receptivo e alegre dissipou o ar tenso que nos acompanhara durante o percurso.

— Lia — cumprimentou mamãe a mãe do Leo que viera nos receber em um portãozinho instalado no meio de um cercado de madeira.

— Senhora — saudou a mulher fazendo uma mesura polida.

A dona rechonchuda fez gesto com as mãos para que nos uníssemos a eles na celebração. Eu achei que ninguém toparia, devido às dores nas juntas causadas pela longa viagem, mas antes que eu terminasse o pensamento, um vulto de dois metros passou por mim como um raio juntando-se à roda e batendo um dos pés com força no chão de terra batida fazendo a poeira levantar.

...Bata os pés até o chão tremer.

Sorriso na boca é o que quero ver.

Minha mãe foi em seguida, puxando-me pelas mãos.

Batendo um dos pés suavemente e gesticulando delicadamente com as mãos ela parecia flutuar. Seus cabelos pareciam acesos iluminados pelo fogo que bruxuleava assanhado pelo vento. Seus olhos estavam vividos semelhantes aos girassóis quando tocados pela luz. Em poucos segundos a dor fora esquecida diante da folia.

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora