O Desafio Torenkai

353 75 261
                                    


O clima desfavorável da situação trazia consigo uma nuvem espessa e escura de tensão. O som do rosnado expelido pelas ventas do povo torenkai bramia em meus ouvidos como uma funesta melodia. Os olhares frios cravejados como milhares de farpas perfurando-me as costas.

Acima, o escuro céu de madeira manchado por nuvens carregadas por folhas verdes vazadas por réstias solares, que teimavam em infiltrar-se no arvoredo. A frente, o gigante de dois metros trajando o manto felpudo do Lobo Cinzento com seus enormes caninos salientes escorrendo-lhe pela cabeça. Braços e pernas descobertos desfilando a galeria de músculos sobressaltados como uma armadura de carne enrijecida. Escapando pelas costas a empunhadura em formato da cabeça de um lobo com a lâmina escorregando por entre os dentes pontiagudos.

Calafrios por todos os lados eriçavam os pelos translúcidos da minha pele clara e fina. Por cima da pele o tecido puído e amarrotado em matizes amarronzadas envolvendo um corpo franzino e diminuto. O contraste terrivelmente evidente entre o caçador e a presa, o cão e o roedor.

Nas camadas de cima centenas, talvez milhares de torenkais empoleirados nas árvores, galhos, escadas e onde mais pudessem se aconchegar em busca de uma visão perfeita do círculo do desafio onde o Grande Lobo Cinzento estava prestes a devorar sua refeição. A multidão impaciente aguardava inquieta pelo sinal do homem sobre a tribuna, que daria início ao massacre que saciaria sua sede por sangue. Meu sangue...

— Vocês estão prontos? — bradou o tribuno para o delírio da platéia.

Jados e Jared traziam consigo a fisionomia preocupada, mas com um certo tom de desconfiança. Badum e sua trupe destilavam sua já conhecida repulsa contra o graveto e a mestiça dentro do círculo.

— Esperem! — falei, levantando a mão para o desespero do público ávido pelo início da batalha. — Eu não sei se compreendo direito as regras do combate...

A multidão inquietou-se, impaciente, rechaçando minha objeção. Talvez, crendo que de alguma forma estivesse tentando protelar o embate, porém, eu realmente não compreendia perfeitamente as regras do Desafio.

— Ah, sim claro — pronunciou o apresentador do alto da tribuna. — Afinal, você é um estrangeiro, hã? — O homem tocou a testa com a mão fechando os olhos e abrindo-os em seguida ao mesmo tempo em que afastava a mão. — Pois bem. As regras do desafio são bastante simples. O vencedor é aquele que segurar o oponente de costas contra o chão dentro da sua metade do círculo pelo tempo de três segundos. — Fez o número três com os dedos. — Ou, então, aquele que lançar o oponente para fora do círculo por três vezes. No caso de vocês — disse apontando para mim e para a Alerga —, não importa qual dos dois for lançado para fora do círculo, assim que o número somado chegar a três, ambos serão dados como derrotados. O mesmo acontece se um de vocês for imobilizado com as costas dentro da outra metade do círculo, mais uma vez, os dois igualmente perdem. — Ele me olhou com um sorriso malicioso na boca e acrescentou: — O dobro de chance de vencer e o dobro de chance de perder...

Respirei fundo e concordei com a cabeça enquanto observava atentamente o oponente do outro lado do círculo. Diferente dos demais, ele não nos encarava com o mesmo ódio, nem tampouco parecia morrer de amores por nós. Uma certa inquietação revelada em seus olhos negros. Ele parecia... impaciente. Mas não era devido à pressa em nos ver derrotados, ele só aparentava querer terminar logo com aquilo.

Se minha suposição estiver certa, assim que dado o sinal de início, ele virá à nossa captura.

Posicionei-me afrente da Alerga, mantendo-a na retaguarda. Se ele vier atrás de nós, ótimo. Assim, não precisaremos arrastá-lo até aqui. A ideia de ter que buscá-lo do outro lado não pareceu ser uma opção tão atraente.

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora