Caminhamos por mais duas horas seguidas. De quando em quando olhava para trás na esperança de ver por uma última vez o pequenino ser de pés invertidos. Mas não demorou e a Floresta Sagrada desapareceu ficando para trás.
Papai foi adiante e sem virar-se nenhuma única vez. Seus pés se alternavam um após o outro sem o mínimo ressentimento. Era como se ele estivesse aliviado por se afastar cada vez mais da grande floresta. Ou, talvez, a distância que ele almejava não era da floresta, mas do ousado e petulante guardião dela.
Por causa do Leo, único que ainda carregava as marcas da batalha em Anzare, avançamos em ritmo moroso. Sua perna doía muito e ocasionalmente precisávamos parar para que ele pudesse recompor as suas energias.
Enquanto caminhávamos comentávamos a respeito da batalha.
— Mainz teve grande dificuldade na luta contra o cavaleiro e o boitatá — contou. — A besta era ágil e a espada do cavaleiro era longa. Sem contar as chamas que a serpente disparava. Sorte que seu pai é incrível cara. Num ataque preciso ele arrancou a cabeça da besta. — Fez gesto com a mão como se ele mesmo portasse uma espada e golpeasse contra a fera. — Você precisava ver.
— E o cavaleiro? — perguntei.
— Embora fosse habilidoso, não teve nem chances — testemunhou. — Os animais deram uma grande ajuda impedindo que os outros inimigos interferissem na luta, é claro — revelou. Leo meneou a cabeça e gesticulou mais uma vez com as mãos quando disse: — Cara, não existe ninguém no mundo tão habilidoso com a espada como seu pai.
Ele ficou impressionado quando contei-lhe a respeito do Curupira, de como ele derrotou os naelins sem grandes dificuldades. Relatei-lhe tudo sobre a batalha, mas não mencionei nada sobre a história que Curupira me contara. Depois, continuamos caminhando sem muito conversar, já extenuados pela jornada.
O sol nos acompanhava durante o percurso com seu ardor abrasador como quem nos impedisse de esfriar a cabeça diante de tantos dilemas por resolver.
"Você não pode seguir para AzToren. Você não deveria mais continuar seguindo Mainz". As palavras do Curupira vinham me assolar a cada dez passos dados. "O general já cumpriu o seu papel com você!"
Mas o que poderei fazer? Para onde eu iria?
— Cara — disse Leo capturando minha atenção e quebrando o silêncio ao notar minha visível inquietação —, você vai acabar tendo um piripaque. — Ele deu leves tapinhas no meu ombro direito com sua mão esquerda enquanto meneava a cabeça. Emendou depois da minha expressão de incompreensão: — Você precisa falar com ele — recomendou e pousou os olhos sobre as costas do meu pai. — Não vai ter outro jeito — admitiu.
Respirei fundo e compreendi, que de alguma forma teria de enfrentar o velho guerreiro. De algum lugar eu precisava arrumar coragem para fazer as perguntas que eu tanto precisava.
Foi aí que uma ideia me surgiu na mente. Um gatilho. Uma forma de argui-lo sobre tudo, sem, ao mesmo tempo, soar invasivo.
Decidi aguardar pelo melhor momento.
Um enorme choupo apareceu solitário no meio da campina oferecendo uma convidativa sombra. Sentamos todos de baixo do esconderijo natural ao sol e ali arrefecemos o corpo e recobramos o ânimo.
O rei do dia transpassava com seus raios os pequeninos vãos entre as folhas pintalgando a silhueta escura projetada sobre a grama com dezenas de pontinhos amarelos.
Famintos, beliscamos algumas frutas trazidas da floresta: presentes do Curupira.
— Bom, preciso ir ali regar a horta — informou Leo. Antes de sair me deu uma piscadela caprichosa como quem estivesse me dando oportunidade.
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O Descendente de Anur - Usuário do Fogo
Fantasy#1 Lugar em Fantasia em Os Tops do Ano 2017 Balrók, o Caçador, montado em seu leão de fogo juntamente com mais sete cavaleiros negros invadem o pequeno vilarejo de Nanduque em busca de um grupo de rebeldes fugitivos. Um comerciante local, o tapeceir...